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domingo, 20 de abril de 2008
FERREIRA GULLAR
O cachorro como obra de arte
A arte de vanguarda, que nasceu contra a institucionalização, é refém da instituição
ANO PASSADO, em 2007, um costarriquenho, que se diz artista e se chama Guillermo Habacuc Vargas, pegou na rua um cão vira-lata, amarrou-o numa corda e o prendeu à parede de uma galeria de arte, onde o animal ficou definhando até morrer de fome. Tratava-se, segundo ele, de uma "instalação perecível", uma obra de vanguarda.
Pois bem, para o espanto das pessoas que já se tinham revoltado com a crueldade de Habacuc, a Bienal de Arte Centro-Americana de Honduras acaba de convidá-lo para dela participar com a referida "obra" e concorrer a um dos prêmios do certame.
Será tudo isso verdade ou apenas uma "pegadinha"? Custa crer que o dono de uma galeria de arte permita que um exibicionista pirado amarre ali um pobre cão e o deixe morrer de inanição. Como se deu a coisa?
O animal urinava e cagava preso à parede, ganindo desesperado? As pessoas iam assistir a esse espetáculo de sadismo e ninguém se revoltou nem nenhuma sociedade protetora dos animais protestou?
A possibilidade de ter o cão morrido sem que ninguém tenha sabido está fora de questão, uma vez que o objetivo desse tipo de "autor" é precisamente chamar a atenção sobre si, já que nenhum outro propósito pode ser considerado. Mais surpresa causa ainda a notícia de que a Bienal de Honduras o tenha convidado a repetir, nela, aquele mesmo espetáculo de crueldade e sadismo.
Não obstante, essa informação está em vários sites, e surgiu até um movimento de protesto -um abaixo-assinado- para impedir que a Bienal mantenha o convite. Se o que Habacuc queria era escandalizar e ganhar notoriedade, conseguiu, ainda que a notoriedade própria aos torturadores e carrascos.
Não obstante, apesar da repercussão que o cerca, esse fato não é tão novo assim. Sem a mesma dose de cocô e urina nem a mesma animalidade, outras "obras" e atitudes ocorridas antes são reveladoras do impasse a que chegaram a arte dita de vanguarda e as instituições que a exibem, particularmente as Bienais.
Uns poucos anos atrás, um gaiato enviou para a Bienal de São Paulo, como sua obra, a seguinte proposta: abrir uma segunda porta na exposição por onde as pessoas entrariam sem pagar.
Não podia ser aceita, pois implicaria sério prejuízo ao certame, mas também não poderia ser rejeitada, porque, sendo a Bienal "de vanguarda", tal rejeição comprometeria sua imagem.
Em face disso, adotou-se a seguinte solução: improvisar, nos fundos do prédio, uma portinha meio secreta, garantida por um guarda que a manteria aberta por apenas uma hora e só permitiria a entrada de dez visitantes, no máximo. E assim as coisas se acomodaram, salvando-se a audácia do artista e o caráter vanguardista da instituição.
Pode ser que me engane, mas a impressão que tenho é de uma luta farsesca entre falsos inimigos que necessitam um do outro para existir: sem o espaço institucional (galeria, museu, Bienal), não existe a vanguarda e, sem a vanguarda, não existem tais instituições. E a gente se pergunta: mas a vanguarda não nasceu contra a arte institucionalizada? Pois é...
Voltemos ao cachorro. O tal Habacuc pegou o cachorro na rua e o levou para a galeria de arte a fim de fazer dele uma "instalação perecível", ou seja, uma obra de arte.
Se o tivesse levado para um galpão qualquer e o deixasse lá morrendo de fome, ele não passaria de um pobre vira-lata vítima de um maluco.
Mas, como o Habacuc é artista -ou se diz-, levou-o para uma galeria de arte e aí o pobre cão, de cão virou instalação, por obra e graça do espaço em que o puseram para morrer.
Esse é um dado que os críticos de arte (também de vanguarda) teimam em ignorar, ou seja, que, nessa concepção estética, é o espaço institucional que faz a obra: por exemplo, um urinol igualzinho ao de Duchamp, se estiver no Pompidou, é arte; se estiver no banheiro de um boteco, é urinol mesmo, pode-se mijar nele à vontade.
É, portanto, diferente da Mona Lisa, que depois de roubada do Louvre, em 1911, e levada para um quarto de hotel na Itália, continuou a obra-prima que sempre foi.
É que a chamada arte conceitual dispensa o fazer artístico e afirma que será arte tudo o que se disser que é arte, mas desde que o ponham numa galeria ou numa Bienal.
Ou seja, a essência da arte de vanguarda, que nasceu contra a institucionalização da arte, é contraditoriamente, a instituição; não está nas obras e, sim, no espaço institucionalizado em que ela é posta.
Talvez por isso, a próxima Bienal de São Paulo não terá obras de arte: exibirá apenas o espaço institucional vazio, que as dispensa.
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