terça-feira, 29 de abril de 2008



29 de abril de 2008
N° 15586 - Luís Augusto Fischer


Velhas dores

Da imensa coleção de frases geniais do Nelson Rodrigues, umas quantas permanecem na minha cabeça. Freqüentei sua obra cronística por tempos, com pertinácia, porque fiz meu doutorado sobre ela, mas também porque ela vale a pena em si, como o belo texto que é, a profunda reflexão que faz sobre a vida; e agora, já tendo me recolocado com simples leitor, suas tiradas ecoam ainda.

Uma das frases é uma exclamação: "Como é bom o doer de velhas penas". Não lembro o contexto original, nem é o caso de tentar localizá-lo, porque a frase supera suas condições de nascimento.

As velhas penas doem, e de algum modo elas nos trazem algum bem, nos fazem algum bem. Não é o prazer do sofrimento, qualquer espécie de masoquismo, creio; é mesmo o prazer de reencontrar dentro da gente uma antiga dor que ainda faz sentido, e o prazer, o reconforto, vêm do fato de ela nos lembrar que temos passado, que temos por que chorar, que a vida se faz de dores, ao lado de alegrias, e que ser adulto, no fim das contas, como gostava de repetir Paulo Francis a partir de uma frase de Scott Fitzgerald, é viver num estado de compreendida e moderada infelicidade.

Este fim de semana, relendo Esaú e Jacó, uma das pérolas mais raras de Machado de Assis, lá dou de cara com um capítulo intitulado, precisamente, "Prazer das dores velhas".

O sentido é o mesmo emprestado por Nelson Rodrigues, o que significa dizer que Nelson deve ter lido isso no Machado mesmo, e provavelmente a imagem ficou ecoando em sua cabeça antes de virar frase em sua obra.

Dores velhas, nossa condição humana, alta literatura, tudo serve agora para lembrar que daqui a uns dias completa um ano da morte do meu irmão, Sérgio "Prego".

Também era uma época de primeiros frios, também uma época de tristeza irremediável para os que o amamos desde sempre e para sempre.

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