sábado, 19 de abril de 2008



19 de abril de 2008
N° 15576 - Cláudia Laitano


Pobres meninos ricos

Quando uma amiga me contou que haviam afanado a carteira da filha dela dentro da escola - uma daqueles escolas caras e cheias de carros bonitos estacionados em volta - imaginei que fosse um caso isolado.

Depois ela foi me contando que furtos eram relativamente comuns na escola tal e na outra tal também, onde as filhas já haviam estudado.

Comentei a história, pasma, com outras amigas, e o rumo da conversa me deixou mais surpresa ainda: todo mundo conhecia um adolescente de quem tinha sido furtado um celular, um tocador de MP3, o dinheiro da merenda - e tudo isso dentro do ambiente aparentemente protegido de uma escola particular.

O problema é escabroso, e não é de se espantar que venha sendo tratado de forma tão discreta pelas escolas e pelos próprios pais.

Uma coisa é estar alerta para a segurança do prédio, colocar gente para cuidar a saída dos alunos, câmeras, grades nas janelas, muros altos e de vez em quando perceber que todos os cuidados privados não são suficientes para isolar a escola dos problemas públicos da cidade.

Outra bem diferente é lidar com um pepino moral deste tamanho: adolescentes de classe média, bem nutridos e bem calçados, passando a mão em objetos dos colegas.

Não é preciso fazer um raciocínio muito complexo para ligar esses episódios de furto ao contexto de consumismo extremo em que crianças e adolescentes, de todas as classes sociais, estão sendo criados.

Se poucos adultos lembram de ter sido furtados nos tempos de escola talvez seja porque até 15 ou 20 anos atrás o maior objeto de consumo que um adolescente poderia levar para a sala de aula era um estojo de ímã com três andares.

Hoje, eles têm à disposição do cartão de crédito dos pais (às vezes generosos e solícitos muito além da conta do bom senso) um inesgotável arsenal de gadgets aparentemente indispensáveis - e não por acaso programados para tornarem-se superados antes mesmo do primeiro arranhão na lataria.

A satisfação de "ter" alguma coisa dura tão pouco que muitos não conseguem se contentar apenas com a boa-vontade dos pais em atender seus impulsos de consumo. Nesses casos, a mochila do colega distraído acaba sendo a cenoura na frente do coelhinho.

Furtos na hora do recreio não entram nas estatísticas de criminalidade urbana e provavelmente não indicam que os jovens gatunos, de celular ou de canetinhas coloridas, inclinem-se para o submundo do crime.

Mas são um enorme alerta vermelho de que algo está muito errado na forma como as famílias e a própria escola estão lidando com problemas tipicamente contemporâneos como a cultura do individualismo e do consumo exagerado.

Na semana em que um movimento de estudantes ajudou a derrubar o reitor de uma universidade, a discussão sobre a importância de olhar além do próprio umbigo e de acreditar que as causas coletivas podem ser muito mais bacanas que um celular de última geração deveria ser tema de casa obrigatório - em todas as escolas e em todas as famílias.

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