sábado, 19 de abril de 2008



20 de abril de 2008
N° 15577 - Martha Medeiros


All we need is love

Recentemente manifestei meu entusiasmo com o documentário Shine a Light, que mostra um impactante show dos Rolling Stones intercalado por alguns poucos depoimentos e rápidas cenas de bastidores.

Recebi vários e-mails (como tem roqueiro no sul), porém três pessoas ficaram desapontadas por eu enaltecer a obra dirigida pelo Scorsese e não ter escrito uma única linha sobre Across the Universe, que ainda segue em cartaz, com trilha dos Beatles, banda que meu eleitorado sabe bem o quanto sou fã.

Um ainda lembrou que escrevi a respeito antes mesmo de assisti-lo, mas por que não depois? Passei pro lado do diabo?

O musical vale pela trilha sonora (ave, Beatles!) e por alguns bons momentos de psicodelismo, mas achei um filme sem vigor, irregular, de uma rebeldia pueril. Pra quem viu Tommy, Pink Floyd The Wall e Hair, pra citar alguns parentes próximos, Across the Universe me pareceu apenas simpático.

Mas pra não dar a impressão de que virei a casaca, e já que o assunto principal desse DonnaZH são os verdadeiros luxos, me rendo: Across the Universe narra uma história de amor, e o amor é o luxo supremo, ao lado da arte, outro luxo indispensável.

Aqui fora das telas, na vida real e mundana, os amores não têm sido eternos e nem infinitos enquanto duram, até porque não duram. São rápidos flashes de entusiasmo, são apostas, são ensaios, são tentativas, são experiências para constar do currículo pessoal de cada um.

Parecem mais fugas do que encontros. Amores quase perversos em sua instantaneidade, em sua fragilidade, em seu medo. Medo de quê? Sei lá, de vingarem: vá que dê certo.

Melhor fazer a fila andar, já que não é fácil administrar um amor. Porém, mais difícil ainda é viver sem ele, e lá vão todos em busca de beijos a granel e realizações automáticas de desejos, tudo muito aflito, sem norte e sem calma. Onde estão as grandes e verdadeiras paixões?

O reconhecimento do amor, a dedicação a esse sentimento, o usufruto dessa emoção passa por uma sensibilidade especial que nada a tem a ver com as urgências de uma sociedade que não sabe mais frear e aquietar-se. Quem nos ajuda a resgatar o amor, aquele amor que merece ser chamado como tal, é a arte.

É ela que nos treina para o exercício da contemplação e para o respeito à solidão, porque só ama direito quem não tem medo de ficar sozinho, quem não usa o amor como salva-vidas, como muleta. E é aí que vou tergiversar e recomendar um terceiro filme que já saiu de cartaz há um tempo, mas está disponível em DVD:

Um Lugar na Platéia, produção francesa sem grandes pretensões, de uma delicadeza hoje incomum, que conta várias pequenas histórias de pessoas que amam e outras que não possuem ninguém, mas todas elas apaixonadas pela música, pela escultura, pelo teatro, pelo cinema, pelos livros e por tudo o que faz a gente se emocionar e se reconhecer como seres humanos.

Foi o filme de amor mais bonito a que assisti nos últimos tempos, um filme sobre o amor-próprio, sem o qual nenhum outro amor funciona.

Um ótimo domingo e um excelente feriado.

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