sexta-feira, 18 de abril de 2008



18 de abril de 2008
N° 15575 - Liberato Vieira da Cunha


Universos opostos

Entrei numa livraria e pedi uma caneta. A moça do balcão me serviu um variado sortimento de exemplares de plástico e eu desisti na hora da compra.

Me bateu uma estranha sensação de pertencer a um outro tempo. Era como se eu estivesse em busca de um chapéu, de uma bengala, de um par de polainas. A senhorita que me atendeu, percebi logo, não tinha remota noção do objeto do meu desejo.

Eu não estava atrás de uma Parker 51, de uma Crown, de uma Compactor, delicadas esculturas mecânicas com as quais aprendi a escrever e que não dispensavam o competente vidro de tinta. Queria não mais do que uma esferográfica que as imitasse, revestida de metal, se possível dotada de uns ares dos anos 50.

Tenho a impressão de que pessoas como eu estão ficando obsoletas.

Esses dias me surpreendeu na rua uma dessas súbitas chuvas de outono. Chuvas pedem guarda-chuvas. Tudo o que encontrei, aliás sem muita procura, o que atesta a ampla aceitação do modelo, foram uns exemplares frágeis e chineses, só absolvidos pelo preço.

Não esperava nada de seda ou finamente lavrado em bambu. Queria apenas algo sólido, que me protegesse da intempérie. Pois bastou uma rajada de vento mais forte para que o produto oriental se desfizesse.

Adquiri, depois de demorada pesquisa, um rádio portátil que esperava me servisse o trivial variado: a temperatura, os noticiosos, os jogos de fim de semana.

Não durou um mês. Logo começou a apresentar uma repentina rouquidão, uns assovios esquisitos, quando não um silêncio obstinado. Era um voraz consumidor de pilhas e da paciência do próximo.

Acho que as coisas estão ficando provisórias.

Mas há nisso um paradoxo difícil de deslindar.

Ao mesmo tempo em que objetos são desenhados para uma curtíssima vida, outros são projetados para uma existência complicada e sofisticada.

Um aparelho de som, um forno de microondas, uma televisão são hoje dotados de tantas teclas, que o comum dos mortais nunca chega a abarcar sua inteira finalidade.

Se você liga para uma organização de algum porte, logo surge a voz da senhorita da múltipla escolha. Quer um conserto? Aperte no botão 2. Vai fazer uma reclamação? Pressione o botão 4. Quer uma informação? Comprima o botão 6.

É a convivência de dois universos opostos. Um concebido para durar menos do que as rosas de Malherbe. Outro desenhado com a vocação da Esfinge.

Ótimo fim de semana e um excelente feriadão para todos vocês. Aproveitem que eu terei que estudar.

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