segunda-feira, 21 de abril de 2008



TIRADENTES OU BODE EXPIATÓRIO?

Resolvi tirar de vez o atraso. Vou falar de todas as datas que sempre me fascinaram. Hoje, 21 de abril, é Dia de Tiradentes. Essa história começou mal e só poderia terminar pior.

Estudante brasileiro no exterior, sempre faz planos mirabolantes. É um perigo. No caso que resultaria na Inconfidência Mineira, uma turma de universitários brasileiros de Montpellier, Lyon e Coimbra andou conspirando. Eu vou a Montpellier quase todos os anos.

É incrível a influência dessa cidade do Sul da França em nossa cultura. Basta dizer que Auguste Comte, o pai do positivismo gaúcho de Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros e demais, nasceu lá. Tiradentes não passou por Montpellier. Nem teve bolsa. Mas se entusiasmou com a idéia de livrar o Brasil do parasitismo português.

O problema é que Joaquim José da Silva Xavier meteu-se numa conspiração com um bando de poetas, religiosos e advogados. Não poderia dar certo. Era tudo gente obcecada por ouvir a própria voz. Rapidinho o segredo vazou. Joaquim Silvério dos Reis delatou todo mundo em documento assinado e datado de 19 de abril de 1789.

A Justiça real tinha uma noção de proporção, digamos, barroca. A sentença proferida contra Tiradentes mandava que ele fosse 'conduzido pelas ruas, com baraço e pregão, até a forca e aí sofrer morte natural, sendo-lhe cortada a cabeça e remetida para Vila Rica, a fim de ser exposta, até que a consumisse o tempo;

seu corpo seria esquartejado, postos os pedaços pelo caminho de Minas, nos sítios de Varginha, Cebola e outras povoações, até sua consumação; sua memória era declarada infame e infames seus filhos e netos; seus bens eram seqüestrados;

sua casa seria demolida, salgando-se o local, para que não mais se construísse ali, levantando-se, nesse mesmo local, um padrão de ignomínia'. Não é um primor?

Toda essa fúria dos portugueses por causa de uma terra que haviam tomado aos índios. Pelo jeito, boa parte dessas pragas rogadas contra os descendentes de Tiradentes pegaram.

Mais do que isso, alastraram-se pelo país inteiro. Infames somos quase todos nós. O padrão de ignomínia tornou-se nacional. O que seria morte não natural para os portugueses daquela época?

Tiradentes deu azar. Era o mais pobre da conspiração. A justiça historicamente não gosta de pobretões. Gosta menos ainda de pobres que se metem de pato a ganso e saem articulando golpes com gente rica.

Os demais inconfidentes foram condenados, mas receberam o perdão da muito clemente soberana de Portugal e foram deportados para a África. Salvo Cláudio Manoel da Costa, que se apressou demais, e preferiu o suicídio na prisão. Em 1936, durante o governo de Getúlio Vargas, sempre ele, os restos dos inconfidentes mortos no exílio foram repatriados.

Não consta que as famílias tenham pedido um bolsa-inconfidência depois de 1822. Mereciam. É verdade que José de Rezende Costa Filho, o único a retornar da África, tornou-se deputado e contador do Erário régio.

Fez um bom investimento com base numa taxa de risco elevada. A vitória, porém, coube a Tiradentes.

Tornou-se o 'mártir da Inconfidência' e o herói brasileiro por excelência. Não traiu, foi traído, pagou por todos e perdeu a cabeça. Saiu do anonimato para entrar na história, de onde dificilmente sairá. O diabo é que, no Brasil, vitória de pobre é quase sempre póstuma.

juremir@correiodopovo.com.br

Que você tenha um ótimo 21 de abril e uma excelente semana.

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