terça-feira, 8 de abril de 2008



08 de abril de 2008
N° 15565 - Paulo Sant'ana


Uma carta dramática

Recebi ontem uma emocionada carta de uma senhora, mãe de uma moça de 36 anos, esta última tendo morrido com a bactéria Acinetobacter num hospital, vejam bem, não da rede pública, mas da rede particular de Porto Alegre.

A carta está em meu poder.

Ela conta os 42 dias dramáticos que viveu no hospital, velando no leito de sua filha ou ao redor da UTI, tendo sobrevindo a morte da paciente.

A moça morreu, repito, num hospital particular de Porto Alegre, portando a bactéria Acinetobacter e mais duas outras bactérias, tendo ido ao hospital apenas para realizar uma cirurgia de redução do estômago, estética talvez no entender dela, apesar de que no entender da medicina poderia ser uma cirurgia funcional.

Como na carta que recebi havia o endereço da remetente, falei com ela pelo telefone e com outra familiar da infeliz morta.

E ambas me afirmaram taxativamente que jamais foram cientificadas pelo hospital e pelos médicos de que sua familiar morta era portadora de Acinetobacter.

Elas só souberam porque foram informadas por uma visitante da doente, que, como era médica, viu o prontuário da paciente e lá estava registrada a fatídica bactéria como presente no corpo da doente.

Elas só se alertaram quase um mês depois da morte, quando souberam pela imprensa do surto da bactéria. Não descarto a hipótese de que não avisaram a família da existência da bactéria por a considerarem leiga e ocioso o aviso.

Temos então o primeiro caso de hospital particular em Porto Alegre em que uma paciente morre portando a bactéria, o que faz intuir que são inúmeros, em face do surto que invadiu a Capital nos últimos meses, com pico em janeiro, fevereiro e março.

É dogma de todo o mundo civilizado que o paciente e sua família têm o direito de saber tudo, em matéria de doenças, que apresente o doente.

Como então essa moça e sua família não sabiam nem souberam, pelo hospital e pelos que presidiam seu tratamento, que ela portava a bactéria?

Por isso que eu tenho direito de suspeitar de que por qualquer motivo esta bactéria foi ocultada dos pacientes e é ocultada na sua extensão da opinião pública.

E também por isso é que venho insistindo para que os hospitais divulguem quantos morreram com a bactéria nos últimos meses. Além dos pacientes, a opinião pública tem de saber esse dado.

Exatamente por isso é que esta coluna quer saber quantos são os mortos com a bactéria. Quantos e onde? É o mínimo direito dos pacientes e da opinião pública, ainda que, segundo se noticia, agora, depois do surto de noticiário que tomou conta da imprensa, o surto da bactéria esteja sendo debelado.

Eu não tenho mais dúvida de que esteja sendo debelado pelo noticiário da imprensa e pela higienização, agora apressada e abrangente, o que só agora é elogiável, das instalações hospitalares.

Notem bem: essa moça morreu com a bactéria, tendo ido ao hospital para ser submetida a uma singela cirurgia de redução do estômago.

Não tinha diabetes, não tinha cardiopatia, não tinha câncer, não tinha enfisema, nada grave. Foi fazer uma cirurgia para emagrecer.

E tombou no hospital com a bactéria adquirida no hospital. Ou seja, tombou por acidente de atendimento hospitalar.

E é o primeiro caso divulgado de morte com doente que portava a bactéria em hospital particular.

O restante dos casos até agora está oculto.

Ninguém de sã consciência duvida mais que haja outros casos.

O secretário municipal da Saúde, Eliseu Santos, prometeu-me ontem à noite que vai consultar sua assessoria jurídica hoje e irá exigir de todos os hospitais públicos e particulares de Porto Alegre que lhe mandem a relação nominal e de quantidade dos mortos na cidade pela bactéria ou com a bactéria.

Não tenho dúvida de que sua assessoria jurídica vai dar parecer irretorquível de que os hospitais têm o dever, a obrigação indeclinável de fornecer esses dados.

Se a autoridade pública competente em saúde, que controla epidemias de qualquer ordem, não puder exigir isso dos hospitais, nada então pode exigir e é o caos na Saúde.

Entendam os leitores e a sociedade gaúcha isto definitivamente: não tendo a quem recorrer, essa mãe que perdeu sua filha, morta, recorre a este colunista, isto é, à imprensa.

E enquanto formos o remanso dos injustiçados, permaneceremos de pé.

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