sexta-feira, 18 de abril de 2008



18 de abril de 2008
N° 15575 - Paulo Sant'ana


Um homem acuado

O que espanta nessa Operação Rodin e na CPI do Detran é a facilidade com que transitavam na intimidade do poder, travestidos de segundo escalão, os maiores envolvidos no escândalo.

E, pelo que se tem notado nos depoimentos, a teia da propina escancarada uniu Executivo e Legislativo.

As reuniões para combinar as propinas ou montar mecanismos para colhê-las se davam tanto nos gabinetes do governo quanto nos escritórios dos deputados estaduais, no interior da Assembléia Legislativa.

Tudo era feito às escâncaras. Nada era oculto. Parecia até que não causava alarma o pagamento às universidades e os repasses aos sistemistas, o principal é que estava garantida a origem do dinheiro - como se sabe, extorquido do contribuinte, no caso, dos motoristas, que no Estado somam 3,5 milhões.

Eles não tinham cerimônia para arrancar de um chefe de família em torno de R$ 1 mil por uma simples carteira do motorista, o que incrivelmente continua assim, apesar de a governadora ter feito um abatimento insignificante no preço da carteira, logo após o escândalo.

Não tenho elementos para cognominar o senhor Flavio Vaz Netto, ex-presidente do Detran, de culpado.

E, como jornalista, tenho o dever de somente considerá-lo culpado depois de sentença transitada em julgado.

Mas me cabe comentar e-mail ontem divulgado por Zero Hora, que ele dirigiu ao secretário-geral de governo, Delson Martini.

No e-mail tanto ameaçador quanto intimidativo, o ex-presidente do Detran promete que, caso prossiga a negativa de recebê-lo em palácio, ele pedirá voluntariamente para depor na CPI do Detran (portanto, se oferecerá para voltar a ser interrogado), anunciando ainda que responderá lá na CPI as imputações que lhe estão sendo feitas, queixando-se ainda que a "base aliada", claramente, e o governo, veladamente, não estão lhe dando a cobertura que merece.

Este e-mail é nitroglicerina pura. Há um acusado reclamando de abandono. E de marginalização do poder.

Há um acusado a quem não permitem que entre no palácio. E eu me lembro nitidamente de que, quando estourou o escândalo, tendo a governadora Yeda Crusius demitido imediatamente Vaz Netto, ele protestou energicamente, como se a governadora tivesse outra saída que não aquela. Mas ele protestou, o que transmitiu a impressão de que ele considerava a governadora uma companheira de causa.

Pois é este mesmo homem que protesta novamente agora. E deixa nas entrelinhas que, se continuar abandonado pelo poder, terá coisas mais comprometedoras a declarar.

Será que não conversam com Vaz Netto de medo dele? Ou é só compaixão, constrangimento com a sua sorte?

Por que não explicam para Vaz Netto que é impossível ajudá-lo, que ninguém tem esse poder, sob pena de que alguém que se disponha a tal possa vir a comprometer-se no inquérito.

O que causa piedade é que a um homem há pouco tempo tão epidermicamente ligado ao governo não se conceda agora um simples ingresso no palácio e um ombro amigo para chorar as suas mágoas e o seu imenso azar.

Se até a uma professora com sineta ou a um policial sem reajuste há 13 anos não se pode negar ingresso no palácio, a Vaz Netto, recente presidente do Detran muito menos.

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