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quarta-feira, 23 de abril de 2008
23 de abril de 2008
N° 15580 - Sergio Faraco
Fitzcarraldo dos pampas
Meu primeiro automóvel foi um Gordini, quando ainda era solteiro, o segundo um Fusca, quando já era casado, e foi neste que, no início dos anos 70, empreendi uma viagem inesquecível ao exterior: de Porto Alegre à República do Ibirapuitã.
Eu e mais quatro: minha mulher, nossas duas filhas pequenas e a empregada. E como não tínhamos com quem deixar os cães, um grande e um pequeno, éramos sete.
O maior era uma cadela muito inquieta e peluda, chamada justamente Peluda, que viajava aos pés de minha mulher. Para acalmá-la, eu lhe dera um comprimido de Mandrix diluído em leite e foi a primeira e única vez que vi um cão dormir em decúbito dorsal.
No banco de trás, a empregada, as meninas, a cachorra menor, que atendia por Rosimeri, e trouxas de roupas, que para maior conforto preferimos às malas.
O Fusca tinha pneus de banda larga, como era moda, e com o peso um dos traseiros, roçando no pára-lama, rasgou-se. Estávamos numa das pontes do Guaíba e todos tiveram de desembarcar para a troca, menos a Peluda, que continuava a dormir patas arriba.
E voltamos a Porto Alegre para comprar um pneu novo.
Outra vez na estrada e, na altura de Cachoeira, Peluda fez xixi e cocô dentro do carro. Paramos num posto de gasolina para o asseio, seguimos viagem e o cheiro de cachorro molhado me lembrava o metrô de Moscou. Os russos, como se sabe, só tomam banho nos anos bissextos.
A meio caminho de São Gabriel, umas explosões em seqüência e o motor morreu. Bobina, certo. Encharquei uma fralda das meninas de água mineral e a usei para esfriar a bobina. Um dia caloroso, todos desembarcaram, inclusive Peluda, já desperta e incomodando. Enquanto a bobina esfriava, meti-lhe goela abaixo outro sonífero.
Adiante, novas explosões, outra parada. Mais fralda, mais água mineral, e assim, parando de tanto em tanto, conseguimos chegar a São Gabriel, onde fizemos a troca da peça. Estávamos exaustos, mas, ao menos, Peluda dormia novamente, com as patas cruzadas na alavanca de câmbio.
No trajeto para Rosário, rasgou-se o pneu traseiro do outro lado, que também roçava no pára-lama sem que eu notasse. Desembarque geral. Fiz a troca e, pouco depois, em Rosário, onde paramos para comprar mais um pneu, Rosimeri fugiu e tivemos de caçá-la a pé, a empregada e eu, pelas ruas vizinhas.
De Rosário a Alegrete a fortuna compungiu-se e nada aconteceu. E quando entramos na cidade, à noite e após 14 horas de viagem, sentia-me como um outro e vitorioso Fitzcarraldo:
chegara a Iquitos, transportando meu barco a vapor pela floresta amazônica, e só carecia do fonógrafo para ouvir uma ópera de Caruso. Minha glória, contudo, foi maior: fui e voltei. Voltamos. Os sete, as trouxas, o Fusca e o Mandrix.
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