sexta-feira, 25 de abril de 2008



25 de abril de 2008
N° 15582 - David Coimbra


Dentro de um barril

Meu bisavô atravessou o Atlântico dentro de um barril. O barril estava sobre um navio, bem entendido. Fugia do serviço militar alemão, veio clandestino.

Uma menina de cinco anos, caçula de outra família de imigrantes alemães, foi encarregada de alimentá-lo. Todos os dias, a menina batia no barril, ele saía e ela lhe alcançava um prato de comida fumegante.

Assim foi a viagem inteira. Ao chegar no Brasil, a família da menina saltou numa cidade, meu bisavô em outra. Uma década se passou, os alemães aqui estabelecidos organizaram suas vidas.

Nesse tempo todo, meu bisavô não mais encontrou a família que o havia ajudado. Conheceu uma moça, começaram a namorar, noivaram e, pouco antes do casamento, fizeram a descoberta espetacular: ela era a menina que o alimentava a cada dia na viagem para a América.

Dois dos meus bisavós eram alemães, portanto. Outros dois, franceses. Do meu avô francês lembro que o chamava de Vô Chorão, porque sempre chorava ao nos ver. E comia pétalas de rosas na salada! Coisa de francês.

Claro, tem os Coimbra também, esses egressos do Alegrete e, obviamente, descendentes de portugueses.

Levando em conta as origens de todos esses bisavós, julgava-me brasileiro típico. De uns tempos para cá, não mais. De uns tempos para cá, ouço os entusiastas da Nação Ianomâmi repetirem que os verdadeiros brasileiros são os índios, que os donos da terra são os índios, que nós, europeus, tomamos o Brasil dos índios.

Será que um dia também serei brasileiro? Ou terei de fazer o caminho de volta do meu bisavô para descobrir, afinal, de onde sou?

Meio ridículos

Todo patriota é meio ridículo. Aquela coisa de bandeiras e marchas e hinos, francamente. Tudo invenção dos franceses. Criaram o nacionalismo em 1789 e depois tiveram de se haver com kaisers e führers.

O problema com o patriota é que ele avalia o mundo e as pessoas através de critérios geográficos. Se mora na Rua Botafogo, a Rua Botafogo tem mais flores, mais sabores e mais amores; se se muda para a Borges, nunca houve no mundo paralelepípedos mais formosos que os da Borges.

Mas o patriota não pode ser considerado totalmente ridículo porque parte de seus sentimentos são altruístas - ele quer o bem dos seus, afinal.

Todo idealista também é meio ridículo. Sobretudo o idealista de esquerda. Até porque o idealista de direita não pode ser classificado exatamente como idealista; ele é muitas vezes um cínico e sempre um prático.

O de esquerda, não. O de esquerda em geral começa sua trajetória acreditando que, com suas idéias, mudará o mundo para melhor. Altruísmo igual ao do patriota, e que, igualmente, faz dele apenas meio ridículo, não um ridículo absoluto.

Já o problema com o idealista é que, como o patriota, ele analisa o mundo e as pessoas por um único viés - o do seu ideal. A opinião de um idealista de esquerda sobre qualquer assunto, em qualquer lugar, jamais se altera: está sempre à esquerda.

Por exemplo: os movimentos de Chávez na Venezuela e de Evo Morales na Bolívia são incondicionalmente aplaudidos por idealistas de esquerda. Todos os movimentos, sem exceção. E agora, na recente eleição do presidente do Paraguai, há quem festeje a renegociação do Tratado de Itaipu.

Quer dizer: em nome de uma proposta supostamente de esquerda, o idealista repudia até aquele sentimento altruísta que faz do patriota só meio ridículo, não ridículo inteiro. E assim ele, o idealista, alcança a plenitude: transforma-se num ridículo completo.

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