sábado, 19 de abril de 2008



20 de abril de 2008
N° 15577 - Luis Fernando Verissimo


Pingos simbólicos

Lembro que, anos atrás, fiquei emocionado com a notícia de que tinham localizado a nascente do Rio Amazonas. Quem sabe por que a gente se emociona?

Não havia nada de especialmente tocante na notícia. Nada mudava na natureza do Amazonas e na nossa percepção dele com aquele dado, por assim dizer, biográfico.

Todos os rios nascem em algum lugar, por que o nascedouro do Amazonas despertava aquele enternecimento, como o nascimento de um bebê? Não sei, mas me comovi.

Exploradores da National Geographic Society tinham descoberto que o Amazonas começa como pingos de uma geleira do Nevado Mismi, uma montanha no Peru. O filete de água que escorre por uma parede rochosa do Nevado Mismi é o ponto mais distante da foz do Amazonas na bacia de rios andinos que se juntam para formar o grande rio.

No pingo já está a pororoca, no nosso começo está o nosso fim, como disse o poeta. Rios são metáforas fortes, da vida que passa e do que ela deixa para trás, e suas nascentes são metáforas mais obscuras do começo e da razão de tudo, do primeiro mistério.
Durante muito tempo a localização da nascente do Nilo foi um desafio para exploradores europeus, e a sua busca, em contraste com o desinteresse dos nativos, uma obsessão. Os exploradores perseguiam a glória do pioneirismo e a admiração dos seus pares.

Já os nativos sabiam que a origem do rio era um dadivoso deus das águas que não receberia bem uma investigação do seu presente. Nada simbolizou melhor a ascendência do pensamento colonizador científico sobre culturas mágicas do que a procura da origem do Nilo.

Joseph Conrad foi buscar na vertente podre do Rio Congo, no coração escuro da floresta, uma representação do manancial de loucura e maldade da espécie, a nossa danação no nosso começo. No fim - ou no começo - rios simbolizam o que a gente quiser.

A goteira do Nevado Mismi representa o quê? Talvez a única maneira de se olhar o Amazonas como algo amável e manejável. Depois ele cresce, fica poderoso e incompreensível, e quando entra no Brasil já ficou demais. Simbolizando nossa histórica dificuldade em saber o que fazer com tanta natureza.

SUBSTITUTOS

Nunca se viu uma revista feminina com um homem na capa. Lindas mulheres, muitas vezes com pouca roupa, mas nenhum homem, vestido ou despido. Já as revistas masculinas só têm mulheres na capa.

Grandes mulheres seminuas, mas (epa!) nenhum homem, tão pensando o quê? Homens com pouca roupa na capa só em revistas para gays - mas ninguém jamais acusou as revistas femininas de serem para mulheres homossexuais.

Seria porque mulheres não têm o mesmo medo de admirar outras mulheres que os homens têm de admirar outros homens, além de ser notório que as mulheres se vestem, se pintam e se produzem umas para as outras, com a admiração dos homens considerada efeito colateral. Mas não é só isso.

Outro fenômeno curioso é o seguinte: existem mulheres infláveis para simular sexo, mas alguém tem notícia de homem inflável para o mesmo fim?

Parceiras sexuais infláveis não se resumem nos seus orifícios. Para isso até hortifrutigranjeiros servem. O homem quer a genitália feminina e as suas circunstâncias, nem que seja um colo macio para repousar a cabeça depois.

Mesmo artificial, ele precisa da mulher inteira, do conjunto, do simulacro de companhia, da ilusão, de tudo que não é orifício. Já para a mulher o boneco do homem se resume no seu pênis, sem aquela massa confusa, iludida e dispensável na outra ponta.

O que interessa é o falo artificial, o resto é supérfluo. Mas não se trata de insensibilidade. Como a ciência já tornou o espermatozóide desnecessário para a reprodução, as mulheres só estão nos preparando, há anos, para nosso destino fatal, a obsolescência.

Quando o vibrador nos substituirá, e desapareceremos da face da Terra como desaparecemos das capas das suas revistas.

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