quinta-feira, 10 de abril de 2008



DO BOLSA-REVOLUÇÃO AO BOLSA-DITADURA

Ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos antepassados. A notícia de que Ziraldo e Jaguar ganharão R$ 1 milhão pelos prejuízos profissionais que tiveram com a ditadura me deixou perplexo. Esses caras fizeram foi um investimento. A originalidade brasileira é tão grande, que inventamos os gigolôs de ditadura.

Eu pagaria 1 milhão, se tivesse disponível, para que o velhote maluquinho fosse empalhado e passasse a figurar no museu das nossas bizarrices. É por essas e outras que Fernando Gabeira, que realmente amargou o exílio, cresce no conceito de todo mundo: não querer mamar nessa teta.

A anistia determinou um 0 a 0. Era cada um enfiar a viola no saco e começar de novo, salvo os que não tinham nada com o pato e foram afetados. Por exemplo, o sujeito que perdeu uma perna no atentado da turma do Diógenes. Esse deveria processar os autores da brincadeira e ganhar R$ 10 milhões de indenização.

Certas verdades não podem ser ditas por serem consideradas reacionárias. Houve um enfrentamento entre a ditadura militar, com seus torturadores e brutamontes, e os defensores de outra ditadura, a marxista. Felizmente, escapamos de ambos.

Só merece indenização quem lutou contra a ditadura, não quem lutou por outra ditadura. É muito boa esta, o sujeito arma-se para lutar contra o Estado em nome da sua utopia totalitária e depois vem cobrar do Estado pelos supostos prejuízos que teve.

Temos tradição nessa área. Os chefes rebeldes farroupilhas, que lutaram contra o governo central para pagar menos impostos – alegando, para justificar melhor a aventura, que o Império era autoritário e escravocrata, exatamente como eles –, receberam boas indenizações ao final do conflito.

Bento Gonçalves embolsou 4 contos e 800; Antônio Vicente da Fontoura, o homem enviado ao Rio de Janeiro para negociar a paz e que integrou a comissão de repartição da grana, levou 1 conto e 800; Domingos José de Almeida, o mineiro grande proprietário de escravos em Pelotas e cérebro da revolução, abocanhou 4 contos e 16.

Muita gente recebeu pelos 'adiantamentos', especialmente os fazendeiros. Os farrapos eram liberais em luta contra o Estado central máximo. Como sempre, na hora do prejuízo, quiseram almoço gratuito ou subsidiado.

Antônio Vicente da Fontoura, que vivia chamando uns e outros, inclusive Bento Gonçalves, de infames e criminosos, anotou em seu diário esta maravilha sobre o dia da assinatura da ata de paz em Ponche Verde:

'Hoje, reuniu David e Conselho de oficiais, desde de tenente até generais e, expondo as condições de paz, não houve um só voto contrário, ficando todos felicíssimos, porque tudo era mui diferente do que diziam os sequazes da guerra, que, com a cara à banda, foram também aprovando e hoje só cuidam de arrecadar recibos velhos para chuparem o dinheiro que puderem, isto é, para receberem reembolsadas as importâncias que puderem comprovar...'.

Não é fantástico? Não é atual até na linguagem? Fontoura não queria dar a parte do seu inimigo Bento, que não ficou satisfeito com o que lhe tocou. A briga pelo dinheiro foi épica.

O sindicato farroupilha aprovou um movimento de dez anos contra o patrão e depois pediu ao governo para pagar os dias parados. Ziraldo e Jaguar não precisam se envergonhar. Há antecedentes. É verdade que esses farroupilhas batalharam um pouco mais pelo que receberam.

juremir@correiodopovo.com.br

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