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sábado, 26 de abril de 2008
27 de abril de 2008
N° 15584 - Moacyr Scliar
Homem na cozinha? É Destino
Tenho um amigo culto e inteligente, cujo Waterloo é a cozinha: lá, como Napoleão na batalha contra os ingleses, ele é irremediavelmente derrotado.
Dois exemplos: uma vez, a mulher lhe pediu que abrisse dois furos numa lata de azeite recém-comprada. Ele abriu os dois furos - um em cima, outro em baixo, e ficou muito admirado quando viu o azeite escorrer para o chão.
Numa segunda vez, resolveu cozinhar arroz. Colocou os grãos na panela e levou-a ao fogo. Horas depois foi olhar o resultado. O arroz estava carbonizado, pela simples razão de que ele não tinha acrescentado água. Conseguiu transformar a panela num forno crematório.
As duas historinhas reforçam uma impressão geral: para o homem, a cozinha é terreno minado, é território hostil, povoado de inimigos. Mas como se explica, então, que a maioria dos chefs seja do sexo masculino? Por que existe o brilhante Anonymus Gourmet mas não existe uma Anonyma Gourmet igualmente brilhante?
Por que as confrarias culinárias são exclusivamente masculinas? E isto não é de hoje. O mais famoso livro de receitas da antigüidade, escrito originalmente em latim, é de autoria de um certo Apicius, que, tudo indica, era um famoso gourmet da época, Marcus Gavius Apicius.
A bíblia dos gourmets, A fisiologia do Gosto (Physiologie du Goût) foi escrita por Jean Anthelme Brillat-Savarin (1755 - 1826), advogado e político francês que durante a Revolução adquiriu certa fama defendendo a pena de morte, mas que, nas horas vagas, pensava em coisas mais agradáveis.
Seu livro baseia-se, segundo o próprio Brillat-Savarin, na constatação de que "a descoberta de um novo manjar causa mais felicidade ao gênero humano que a descoberta de uma estrela". As receitas incluem até pratos afrodisíacos, o que certamente explicaria boa parte da sensação de felicidade.
Homem cozinhando é resultado da seleção natural, de sobrevivência do mais apto. Há milênios as mulheres estão destinadas à cozinha, assim como estão destinadas a cuidar da casa e dos filhos. É uma sina que elas aceitam com resignação, mas raramente com prazer - e não podia ser diferente, dada a conotação opressiva dessa distribuição de tarefas.
Mas quando o homem vai para a cozinha, muitas vezes vencendo preconceitos, podemos ter certeza de que se trata realmente de vocação, de um apelo interior irresistível.
É uma vocação sofisticada. Nos jantares de cozinheiros, os pratos quase sempre tendem para o insólito.
Bife com fritas? Jamais, é heresia. Predominam os nomes franceses, com receitas que fariam Apicius e Brillat-Savarin delirar - e dão muita inveja aos habituais representantes da espécie masculina, que, literalmente, nunca passam do feijão com arroz.
E a maior parte nem sabe preparar feijão com arroz. É preciso louvar o Senhor quando, pelo menos, se lembram de adicionar água à panela em que está o arroz.
Charles Aznavour foi para minha geração uma lenda viva, uma lenda que certamente se perpetuará. Agora, no final da sua carreira, Charles Aznavour se apresentará, graças à fantástica Opus, no Teatro do Sesi nesta segunda 28 e terça 29 (na terça, os ingressos estão esgotados). Não percam.
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