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sábado, 26 de abril de 2008
26 de abril de 2008
N° 15583 - Cláudia Laitano
Cuidados
A família está acabando. A notícia vem da psicanálise, histórica e essencialmente dedicada a investigar os porões das relações familiares.
Em uma entrevista à revista Veja desta semana, o psicanalista francês Charles Melman, que esteve em Porto Alegre no ano passado participando do seminário Fronteiras do Pensamento, falou sobre o que ele considera uma tendência sem precedentes na história:
"Pela primeira vez, a instituição familiar está desaparecendo, e as conseqüências são imprevisíveis. Impressiona-me que os sociólogos e antropólogos não se interessem muito por esse fenômeno".
No tempo em que as famílias eram uma empresa sólida e expansionista, os dois extremos da existência humana eram os que mais dependiam dela: as crianças e os velhos.
Com a família minguando, em tamanho e significado, é inevitável pensar quem - e como - vai tomar conta deles quando os adultos em volta estiverem ocupados demais com seus pequenos grandes dramas cotidianos para olhar pelos outros.
Crianças que crescem sem pais atuantes para amar, odiar e ter como referência, positiva ou negativa, podem dar muito trabalho quando adultas. Isso até os bancos da Praça da Alfândega sabem.
O que ninguém descobriu ainda é como reverter essa peculiaridade nacional, aparentemente ligada a algum perverso traço cultural, que é a de hordas de pais abandonarem os filhos para fazer outros - e depois abandoná-los também. O tema tem sido discutido de diversas formas nos últimos anos.
O exemplo mais recente é o novo filme de Walter Salles, Linha de Passe, selecionado esta semana para competir no Festival de Cannes, que mostra quatro irmãos, uma mãe grávida do quinto filho e nenhum pai por perto. O diretor diz que o drama da ausência do pai contém "um dos fatores explicativos do Brasil contemporâneo", o que não é pouca coisa.
A outra ponta dessa família meio manca é mais desamparada ainda e menos comentada - talvez porque enquanto os jovens têm energia, e raiva, para eventualmente cobrar o que lhes faltou, velhos são menos inclinados a reações radicais.
Com a expectativa de vida crescendo a passos lentos e firmes e as famílias diminuindo no mesmo compasso, a velhice tornou-se um período de incerteza e angústia, tanto para quem cuida quanto para quem precisa ser cuidado.
É disso que fala A Família Savage, ainda em cartaz em Porto Alegre. No filme, um casal de irmãos com rotinas já devidamente bagunçadas defronta-se com a imensa tarefa de administrar a vida do pai, que começa a perder a lucidez.
À dor de assistir à decadência física do pai, soma-se a culpa por não saber como aliviar essa dor - ou como conviver com ela.
O que o filme sugere é que desaprendemos a cuidar dos nossos velhos, simplesmente porque desaprendemos a "cuidar", a abrir mão do nosso tempo em favor dos outros - mesmo que os "outros" sejam pessoas que a gente ama.
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