quarta-feira, 30 de abril de 2008



30 de abril de 2008
N° 15587 - Diana Corso


Ana Maria Taborda

No final da década de 70, a ditadura mostrava suas primeiras fissuras. Além de garantir a abertura, minha geração tinha outra missão importante: curar a própria ignorância cultural e a alheia. Anos e anos de censura e protestos e a promessa de que amanhã iria ser outro dia. Esse amanhã, sentíamos, estava em nossas mãos.

Entre outras coisas, discutíamos teatro com aquela urgência que desafiava a nos posicionarmos sobre tudo o que havia permanecido reprimido por tantos anos, como se fosse necessário rebatizar tudo que voltava à luz.

O teatro foi, durante a ditadura, um pólo de resistência inigualável, um dos raros acervos remanescentes de cultura num tempo em que a tradição, a família e a propriedade se organizaram para nos emburrecer.

Foi aí que, adolescente, com 19 anos, conheci Ana Maria Taborda. Mais que estudar teatro com ela (logo descobri que não levava jeito), sorvi cada gota da irreverência que fazia de sua concepção de encenação um modo de ver a vida.

Na casa em que ela trabalhava, nas oficinas, debates e peças que dirigia, ela ensinava que opções estéticas são opções éticas. Nunca esqueci disso e tento viver sempre com essa máxima.

Ana morreu dia 24 de março, aos 66 anos, de asma, antes de conseguir publicar sua tese sobre teatro. Com certeza, essa obra virá à luz postumamente. Faz décadas que não a via, mas não posso deixar de registrar a passagem dessa mestra na minha vida e na nossa cidade a cuja cena teatral ela, capixaba-carioca, dedicou anos de trabalho.

O teatro é uma espécie de oficina da arte. Quando atores de tevê e cinema desejam encontrar-se com sua essência é para ele que recuam, quando as luzes lá fora se apagam, é no seu interior que sobrevivem as centelhas.

Público pequeno, presencial; em cima do palco, uma pessoa faz de conta que é outra, dizendo palavras que não são suas. O ator é um fingidor, finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente, poderia ter dito Pessoa.

A arte, em suas diversas formas, coloca fora de nós, para que possamos ver melhor, nossos mais secretos guardados, e ao mesmo tempo faz o contrário: representa aquilo que não admitimos sentir ou pensar, devolvendo-o para nossa alma de modo perturbador.

O teatro permite isso da forma mais visível, na entrega do corpo do ator, sua face crispada, suada, seus perdigotos; nada ali é fingido. Ana, adeus e obrigada por permitir com que eu freqüentasse os bastidores da tua arte.

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