segunda-feira, 28 de abril de 2008



27 de abril de 2008
N° 15584 - Luis Fernando Verissimo


Mudando de assunto

Meus 17 leitores devem ter notado a falta de qualquer comentário, aqui, sobre a morte da Isabella. Foi uma decisão deliberadamente infantil, igual a fechar os olhos e fingir que o que nos apavora não está ali.

Faz de conta que não aconteceu. E me proteger do fato me protege do seu entorno, me desobriga de ter opiniões sobre o tétrico carnaval em que transformaram sua investigação e sua reportagem. Não quero saber de nada.

Enclausurado no meu egoísmo não quero nem ouvir que a mais terrível hipótese sobre os assassinos da menina se confirma, nem dar palpite sobre esse clima de comoção que mais e mais se parece com um prelúdio de linchamento. Prefiro mudar de assunto. Alguém quer saber notícias sobre a minha neta?

O berço esplêndido sobre o qual o Brasil está deitado, sabe-se agora, também se assenta sobre placas tectônicas, cujos deslocamentos causam terremotos.

O mito da excepcionalidade brasileira, que incluía desde a nossa harmonia racial até a nossa isenção de grandes catástrofes naturais, já tinha sido contestado por aqueles furacões caribenhos em Santa Catarina, não faz muito. Agora tivemos um terremoto de escala respeitável. Não faltará quem culpe o governo Lula pela nova instabilidade nacional, o que é obviamente um absurdo.

Todos sabem que os desastres climáticos e geológicos se tornaram mais freqüentes e destrutivos no mundo, nos últimos anos, por culpa do neoliberalismo. Se o nosso terremoto inédito significa alguma coisa, talvez seja uma reação à alta dos juros pelo Banco Central.

De qualquer maneira, de excepcionalmente brasileiro, hoje, só restou o abacate como sobremesa.

A idéia de que os fenômenos naturais são comentários sobre o comportamento humano é antiga. O terremoto que destruiu Lisboa no século 18 trouxe muita discussão sobre as razões de Deus e os costumes da época e influiu na moral e na religiosidade de muita gente.

O sentimento de que a Natureza nos pune permanece. Não sei o que ele tinha acabado de fazer, mas dizem que quando a terra tremeu um homem apareceu na janela de um motel em São Paulo, abriu os braços e gritou para o céu: "Desculpe! Desculpe!"

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