sábado, 26 de abril de 2008



27 de abril de 2008
N° 15584 - Paulo Sant'ana


Direito de opinar

Por vezes, até eu próprio me interrogo se não tem sido excessivo o modo como a imprensa, por seus integrantes ou por quem recebe voz dela, está tratando o caso do assassinato da menina Isabella, desde já considerando culpados o seu pai e sua madrasta.

Esses dias parei para pensar se eu não estava exagerando em considerar culpados os dois suspeitos.

Foi quando chegou até mim um e-mail do procurador de Justiça Marcelo Roberto Ribeiro, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do RS. Diz ele:

"Vejo com preocupação os meios de comunicação fugindo dos objetivos de somente informar, para acusar e condenar o pai e a madrasta da vítima, apontando-os, desde o dia seguinte ao do crime, como autores da morte da menor, condicionando a investigação, em razão do que se avizinha um triste episódio de linchamento.

Vejo, atônito, os lidadores do Direito, que deveriam apreciar os crimes em geral com tranqüilidade, emitindo opinião de mérito sobre o delito que ainda está sendo investigado, deixando-se influenciar pela pressão popular cega e irreversível.

O crime cometido contra Isabella foi repulsivo? Foi. Quem a matou merece reprovação? Sim. E muito severa. Mas a defesa do seu autor tem de ser garantida, até porque é presumivelmente inocente, até que seja condenado irrecorrivelmente".

Pelo que sei, o autor da mensagem transcrita acima parcialmente foi um promotor dos mais severos, erguendo-se agora como defensor dos direitos dos dois suspeitos de assassinar Isabella, o que compreendo, porque promotor é feito para perseguir justiça e não réus.

Mas cordialmente quero discordar de modo profundo de suas colocações.

Como quando escreveu que "à imprensa cabe somente informar". Nada disso, doutor procurador. O senhor sabe muito bem e deve ter-se esquecido que cabe à imprensa, além de informar, opinar. Foi um grave erro do seu e-mail.

Além disso, o senhor estranha que aqueles que chama de "lidadores do Direito", isto é, os advogados e juristas em geral, "estão emitindo opinião de mérito sobre o delito, deixando-se influenciar pela opinião popular cega e irreversível".

Ora, doutor procurador, o senhor primeiro quer negar à imprensa o direito de opinar, o que é inconstitucional (liberdade de imprensa). Não satisfeito, o senhor quer negar aos advogados e juristas em geral o direito de opinar sobre o mérito da autoria do assassinato.

O senhor não quer que ninguém opine. Isso é de uma severidade que não se sustenta em nenhum dispositivo legal.

Em suma, o que o senhor prega é que os dois suspeitos de matar Isabella sejam julgados privativamente pela Justiça. Perfeito, o senhor tem razão. Mas a Justiça tem o monopólio soberano de julgá-los somente para efeitos materiais, ou seja, para aplicar sanção a eles ou livrá-los dela.

A opinião pública, esta tem o direito de formar juízo sobre qualquer fato, tem o direito de opinar sobre qualquer fenômeno social.

Só o que faltava era alguém vir querer proibir o clamor popular. O clamor popular é incontível, desde que não despreze os mandamentos legais.

Qualquer cidadão, em suma, tem o direito inalienável de achar que foi Fulano que matou Sicrano. Esse é um juízo de valor ínsito, inato a qualquer indivíduo. Ninguém pode tirá-lo.

E, finalmente, senhor procurador, na mensagem que me enviou, o senhor fala muito em "linchamento", "pressão popular", "justiçamento", como que querendo fazer intuir que a influência da opinião popular pode levar à condenação dos dois suspeitos de matar Isabella.

Lembro-lhe que o pai e a madrasta de Isabella vão ser julgados pelo Tribunal do Júri, instituição feita exatamente para sofrer pressão popular das comunidades.

E recordo que o Tribunal do Júri é integrado por cidadãos da sociedade local, absolutamente suscetíveis à pressão popular que o eminente procurador execra.

Em suma, todos do povo e a imprensa têm o direito de opinar sobre a autoria do crime e os representantes do povo, em número de sete, munidos de toda a carga da pressão popular, vão decidir no Júri sobre a sorte dos acusados.

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