quarta-feira, 30 de abril de 2008



30 de abril de 2008
N° 15587 - David Coimbra


A precisão de Sheryl

Cada vez que vejo a Sheryl Crow penso a mesma coisa. Sabe quem é: aquela cantora americana, gosto das músicas dela. Pois a Sheryl está preocupadíssima com a natureza, o planeta e talicoisa e, por conta disso, adotou costumes radicais. Entre eles um que revelou em certa entrevista: Sheryl usa apenas uma folhinha de papel higiênico para limpar-se. Um único daqueles quadradinhos menores do que a palma da mão do Clemer.

Essa informação acerca de Sheryl me intriga. Como ela consegue ser tão precisa? Tão... certeira? Então, se ouço a Sheryl cantar ou se a vejo em fotos ou na TV, sempre lembro: um único quadradinho de papel higiênico, um único!!! Tudo o mais sobre Sheryl é secundário para mim, por mais que ela já tenha feito.

É o que vai acontecer com Ronaldo Nazário, a partir de agora. As pessoas olharão para ele e pensarão: ele se regalou com três travestis! Três travestis!

Não tenho o menor preconceito contra travestis ou contra quem se relaciona com travestis. Não vejo nenhum problema, por Deus. Mas Ronaldo, ele que já teve Ronaldinhas e Raicas e Danielas Cicarellis, ele que já ganhou uma Copa do Mundo, que já fez gols às centenas, ele que já fez tanto por tantos, ele, agora, por muito tempo, será lembrado tão-somente por esse episódio.

Vou dizer: o mundo é mau.

Há certo tempo, entrou na Redação uma moça deveras formosa. Andava pelo mundo em cima de pernas compridas, que terminavam em nádegas redondas. Aliás, tornou-se célebre, entre os colegas, pela circunferência de suas nádegas.

- São as nádegas mais redondas que já vi! - dizia sempre um dos gaiatos aqui do Esporte.

- O mundo todo - comparava outro - as nádegas dela são o mundo todo. Redondas como o planeta.

Eram, de fato, bem redondas. Mas bem redondas. Todos só falavam naquelas nádegas redondas, até que um amigo nosso, de outra editoria, entabulou um caso com a dita cuja. Foi algo rápido.

Porém intenso. Ao cabo do que, ela o abandonou e ele, ressentido, saiu pelo jornal divulgando os hábitos sexuais da moça. Relatou as preferências dela, inclusive uma que deixou a todos... como direi? Enfeitiçados. Isso: ficamos todos enfeitiçados.

- Então ela gosta disso? - perguntavam-se os colegas de Redação.

E, a partir daquele dia, qualquer um que a encontrava, pensava: "Ela gosta daquilo, sim, ela gosta daquilo". Os talentos profissionais da moça, suas nádegas redondas, suas pernas longas, sua simpatia, nada mais vinha em primeiro lugar. Apenas: "Ela gosta daquilo".

Já disse, o mundo é mau.

Abel, o profissional

O futebol, sempre digo, não passa de um jogo. E, como tal, é uma atividade rasteira e superficial. Em geral, as pessoas envolvidas com o futebol são exatamente assim: rasteiras e superficiais. Mas o futebol é, também, o Brasil que dá certo. O futebol brasileiro funciona, e funciona bem. Os médicos, preparadores físicos, técnicos, jogadores, todos são os melhores do planeta. Disparado.

Mas a competência no futebol brasileiro tem uma fronteira da qual não passa: o vestiário. Foi o que um dia disse o velho técnico Flávio Costa, do Vasco e da Seleção:

- O futebol brasileiro só é profissional da boca do túnel para dentro do campo.

Eis aí uma das mais sólidas constatações que fiz nesses mais de 20 anos que cubro futebol: que os profissionais orgulham-se justamente de ser profissionais. E eles são. Cada vez mais.

O emocionalismo, as loucuras, as paixões, tudo o que é excesso fica restrito ao âmbito dos torcedores e dos dirigentes. Que, afinal, não passam de torcedores, também. Os profissionais sabem que dependem da sua atividade para sobreviver. Não a arriscam por um arroubo. E respeitam uns aos outros.

Admiro essa postura dos profissionais do futebol. Por isso, sempre fico decepcionado quando um deles se porta de outra maneira, como ocorreu com o técnico Abel Braga, dias atrás.

Segunda-feira, Abel estava sendo criticado por um apresentador de programa de TV de São Paulo e ligou para a emissora a fim de rebater. Em sua defesa, criticou Zero Hora. Insinuou que o jornal "torce" pelo Grêmio e contra o Inter.

Não pretendo defender o jornal. O jornal não precisa da minha defesa. Pretendo examinar a atitude de Abel. Fosse ele um torcedor, eu entenderia. O torcedor é passional. Para o torcedor, o mundo é um Gre-Nal.

Mas Abel, não. Abel é um profissional. Jogou e treinou, por exemplo, no Flamengo, no Fluminense e no Vasco. Será que torcia por algum deles? Talvez sim. Supondo que torcesse pelo Fluminense: quando treinava o Flamengo e disputava um Fla-Flu, Abel jogava para perder?

Claro que não. Abel é um profissional.

Será que Abel acredita que um veículo de comunicação, qualquer veículo de algum sucesso, é menos profissional do que ele? Será que Abel acredita que os jornalistas, que dependem do jornalismo (e não do futebol) para viver, são menos profissionais do que ele? Será que acredita, mesmo, que uma empresa arriscaria sua sobrevivência por causa de um clube de futebol?

Claro que não. Abel é um profissional.

Nesses 12 anos em que sou editor de esportes de Zero Hora, não lembro de outro profissional do futebol que tenha feito declarações similares.

Por isso, não fico irritado com o que disse Abel, um técnico campeão do mundo, ilustrado, experiente, um profissional, enfim. Fico, só, decepcionado.

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