terça-feira, 15 de abril de 2008


Míriam Leitão

Como não fazer

Se era para demonstrar como não se comportar, o diretor-geral da ANP, Haroldo Lima, deu um exemplo claríssimo. Fez uma especulação, que ele mesmo chamou de "oficiosa", sobre os ativos de uma empresa de capital aberto.

A ação deu um salto. A Bovespa não é mais uma bolsinha; é uma empresa que movimenta R$6 bilhões por dia e cujas companhias listadas têm um valor de R$2,5 trilhões.

A declaração displicente, feita de manhã pelo diretor-geral da ANP, provocou um rebuliço no mercado. As ações, que estavam caindo, subiram e chegaram a estar em 10% de alta. Haroldo Lima disse que tinha lido a notícia numa "revista de geologia".

A Petrobras teve o constrangimento de desmentir o órgão regulador, e a CVM soltou uma nota avisando que quem não faz parte da diretoria de uma empresa de capital aberto não deve se manifestar sobre assuntos dessa relevância.

O Brasil sempre teve um mercado de capitais acanhado, concentrado, e que ficava na mão de alguns poucos especuladores. A expansão recente é uma grande esperança de que o mercado se profissionalize e se transforme, de fato, num mercado de capitais: onde empresas se capitalizem, onde investidores poupem. Mas, para sair do ambiente amador para o profissional, é preciso que haja regras, e elas sejam obedecidas.

Haroldo Lima disse, no seminário de petróleo, que a nova descoberta seria "o terceiro maior campo do mundo", e que soube isso por "canais não oficiais".

A Petrobras soltou nota afirmando que já havia falado neste campo chamado "Carioca", mas que estão sendo feitos novos testes para saber sua potencialidade. A área de exploração é dela, da Repsol e da BP.

A ANP, em sua defesa, argumentou que a informação que deu havia saído numa revista especializada e numa reportagem publicada no Brasil.

Tudo errado; de novo. O chefe de um órgão regulador não dá uma declaração oficiosa; não se baseia em reportagens, nem de jornais nem de revista especializada.

Simplesmente ele não fala nada que possa mexer com o mercado. Quem tem que informar a dimensão da descoberta é a empresa em questão - e através de fato relevante - para que todos os acionistas tenham acesso ao mesmo tempo.

O ministro de Minas e Energia, tentando ser cauteloso, disse que o governo não tinha nenhuma informação ainda. Outro retrato de uma distorção.

Esta empresa não é apenas mais uma estatal que tem que contar ao governo primeiro, de forma privilegiada, uma informação. É uma empresa que chegou ontem ao valor de R$400 bilhões, e que tem metade de suas ações nas mãos de terceiros.

Este não foi o primeiro erro do gênero. Já houve outros exemplos, como quando a Anatel divulgava reajustes no meio do pregão, ou um outro caso, em que o Ministério da Defesa anunciou uma união entre Varig e TAM.

São sinais claros de que ou as autoridades brasileiras aprendem como se comportar num mundo das empresas de capital aberto, ou voluntariamente ou involuntariamente estarão criando um campo propício à especulação, no qual os espertinhos ganham muito e perdem os acionistas menos protegidos.

Este caso deveria ser estudado pelo governo para servir de exemplo de como não fazer. A Bovespa hoje tem ações das maiores empresas do país. Seu movimento saiu de R$555 milhões, em 2002, para R$6 bilhões este ano (na média dos primeiros três meses). É uma das maiores bolsas do mundo.

Em 2002, sua capitalização de mercado era de R$438 bilhões; hoje é de R$2,5 trilhões. Do movimento diário, 35% são estrangeiros, 25% pessoa física e 30% institucionais. Uma oscilação forte provocada por uma declaração displicente produz perdas e ganhos arbitrários.

Pior: não há nada que a CVM possa fazer, porque ela só tem autoridade para estabelecer normas de comportamento para a diretoria da empresa de capital aberto, mas não para dirigentes de órgãos reguladores setoriais, ministros, ou quaisquer outras autoridades cujas declarações podem acabar influenciando no valor das ações.

No blog, este assunto foi discutido durante toda a tarde de ontem, e muitos internautas defenderam o diretor Haroldo Lima argumentando que a notícia era velha e já tinha sido publicada em relatórios e na imprensa. Assim, não haveria problema na declaração do presidente da ANP.

De fato, num dos links que nos enviaram, numa reportagem de fevereiro, falava-se em 33 bilhões de barris de reservas de petróleo no campo Carioca-Pão de Açúcar. A reportagem, porém, foi baseada em dados não oficiais, em relatórios feitos por bancos sobre o tema.

Que um consultor faça a estimativa que quiser fazer sobre as reservas de petróleo da Petrobras não há problema algum, é o trabalho dele; o que não é admissível é que uma fonte oficial venha dizer o tamanho dessas reservas no meio de um congresso, como se fosse uma informação qualquer. Além do mais, em nenhuma situação, a agência deveria ser o informante.

O x da questão foi ter levantado um número que os especialistas de petróleo - e a própria Petrobras - dizem ainda ser muito difícil de comprovar.

Está na hora, também, de a Petrobras ter menos oba-oba e mais fato. Anunciou com estardalhaço politiqueiro em 2006 a auto-suficiência que ainda não tem. No ano passado, o crescimento da produção foi de apenas 1,3%.

As novas descobertas podem nos levar a ser grandes produtores, mas ainda é preciso demonstrar que elas são viáveis, que tem preço competitivo, mesmo localizadas em áreas tão profundas. Todos querem boas notícias, mas que elas sejam dadas com a seriedade necessária.

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