sexta-feira, 12 de abril de 2013



12 de abril de 2013 | N° 17400
ARTIGOS - Carmem Maria Craidy*

A Fase e a maldição de Sísifo

Trabalho há mais de 30 anos, como educadora e pesquisadora, com adolescentes que praticam atos infracionais. Ao ler na Zero Hora de domingo mais uma denúncia sobre os problemas da Fase – Fundação Socioeducativa de privação de liberdade para adolescentes, tive a sensação de estar diante da maldição de Sísifo, personagem da mitologia grega, condenado a repetir sempre a mesma tarefa de empurrar uma pedra de uma montanha até o topo só para vê-la rolar para baixo novamente. Não tenho dúvida sobre as boas intenções e o esforço da atual direção da Fase em melhorar o atendimento.

Tenho também consciência de que uma tradição repressiva mantém aberrações como as celas de isolamento (proibidas por lei) como medida disciplinar e mesmo como forma de recepção e triagem(!) dos adolescentes que ingressam nas unidades da Fase de Porto Alegre.

Durante as últimas décadas, estas celas foram suprimidas e reativadas mais de uma vez. A Fase avança nas medidas educacionais e torna a regredir para medidas repressivas. Cabe perguntar por que, como Sísifo, volta sempre ao ponto de partida. Há certamente várias explicações de ordem política, cultural, administrativa, enfim, de diversas ordens. Há uma que me parece evidente: a sociedade clama por repressão. É mais fácil encarcerar que educar, excluir que integrar.

As escolas excluem sistematicamente os adolescentes “difíceis” ao mesmo tempo em que a legislação garante o direito e o dever de estar na escola dos quatro aos 17 anos.

Os que trabalham com jovens drogaditos encontram enormes dificuldades para conseguir tratamento mesmo para os que desejam se tratar e ao mesmo tempo se propõe a “internação compulsória” que neste quadro faz a função de “limpeza social” ou de livrar a cidade do incômodo dos drogaditos sem se perguntar o que lhes será oferecido.

A mesma sociedade que clama pela construção de mais casas de internação, ou presídios, não aceita que as mesmas sejam construídas nos bairros residenciais. Há uma espécie de limbo, ou quem sabe inferno, como proposta para a juventude que não teve oportunidades de se realizar e ser feliz.

É preciso acabar com o cinismo e tomar consciência de que o problema não é só da Fase, é de todos nós. Ou investimos numa educação libertadora e oferecemos possibilidades de realização pessoal e social à juventude, ou estaremos condenando-a ao inferno aqui mesmo, em vida.

*PROFESSORA TITULAR APOSENTADA DA UFRGS, DOUTORA EM EDUCAÇÃO

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