Filme baseado em canção de Renato Russo vira fenômeno
Quase dois meses antes de sua estreia, 'Faroeste caboclo', de René Sampaio, dispara na rede com 1,5 milhão de acessos
Isis Valderde estrela a aguardada produção
RIO - Em 48 horas no YouTube, onde foi postado às 18h da última terça-feira, o trailer do longa-metragem “Faroeste caboclo”, que estreia no dia 30 de maio, virou um fenômeno do cinema brasileiro, contabilizando o recorde de 1,5 milhão de acessos. Dirigida pelo estreante René Sampaio, roteirizada com base na canção composta por Renato Russo (1960-1996) e gravada pela Legião Urbana, a produção de R$ 8 milhões teve uma projeção que só blockbusters hollywoodianos — padrão “Vingadores” — atingem em período tão curto.
No mesmo prazo, o trailer de “Tropa de elite 2”, recordista nacional de bilheteria dos últimos 40 anos, com 11,2 milhões de pagantes, teve 930 mil visualizações.
— As questões que Renato levantou ainda estão vivas. E ninguém mais toca nelas. É por isso que esse filme mobiliza as pessoas: ele é um grito contra a exclusão de classe e de cor — palpita Fabrício Boliveira, que vive João de Santo Cristo, o bandido “destemido e temido no Distrito Federal”.
Nem o campeão nacional de bilheteria do ano, “De pernas pro ar 2”, com 4,8 milhões de ingressos vendidos, mobilizou tantos internautas quanto o vídeo de “Faroeste caboclo”: no YouTube, o trailer da comédia com Ingrid Guimarães registra cerca de 910 mil views desde sua estreia, em dezembro.
— Na internet, um vídeo com 300 mil acessos num dia já é um sucesso. Mas um trailer que passa de um milhão tão rápido é um fenômeno, sobretudo num momento em que a febre da web no Brasil são os vídeos do Porta dos Fundos, com cerca de 3 milhões de views semanais — diz o analista de mídias sociais Hélio Eduardo Lopes, lembrando que filmes como “Bruna Surfistinha” (2011) e “Meu nome não é Johnny” (2008), vistos por cerca de 2 milhões de pagantes cada, também mobilizaram atenções na rede com seus trailers. — Quem faz cinema e quer existir no imaginário juvenil precisa falar primeiro com a internet.
O GLOBO teve acesso a trechos do filme, que aposta alto na adrenalina em sequências de perseguição e tiroteio. Mas o apelo do longa — que traz Boliveira, Isis Valverde e Felipe Abib, num triângulo regado a drogas e sangue — vem sendo atribuído não à violência e sim à mítica em torno da música.
— Por ser musicado com a canção de Renato Russo, o conteúdo do trailer de “Faroeste caboclo” é visto como entretenimento. Quem busca a canção acaba remetido ao trailer, o que ajuda a dar visibilidade — diz o especialista em distribuição digital Fábio Lima. — Não há garantia de que isso se converta em bilheteria. Mas estamos falando de um projeto em torno de uma marca que tem uma base de fãs enorme.
A estratégia das produtoras e dos distribuidores foi dosar o grau de exposição do filme na web em diferentes etapas.
— Criamos um site, antes de filmar, o www.faroestecaboclo. com.br, que documenta cada etapa do projeto como se fosse uma faculdade de cinema. Acabamos de rodar e paramos de alimentá-lo até o lançamento do trailer (que começa a ser exibido nos cinemas na sexta-feira) — explica Bianca De Felippes, uma das produtoras do longa. — Agora, vamos fazer mais ações nas redes sociais, como sorteios.
Comentários postados
Em dois dias, dois mil comentários foram postados no vídeo, mostrando o interesse pelas cenas rodadas na capital do Brasil, em Goiás e no interior de São Paulo, fotografadas por Gustavo Hadba. Há até quem compare o filme com o western tarantinesco “Django livre”, por ter como protagonista um vingador negro.
— Santo Cristo é o herói desse Brasil que vem mudando economicamente, dando voz a quem não podia se expressar. Em “Faroeste caboclo”, Renato criou a saga de um brasileiro que tenta escrever sua história, apesar das limitações de sua origem social — diz Sampaio, diretor de quase 450 filmes publicitários e dos curtas “Antes do fim” (1997), “Sinistro”, “Contatos” (ambos de 2000) e “O homem” (2007).
Nas tela, Santo Cristo (Boliveira, da microssérie “Suburbia”) começa a vender “bagulho bom” para os boys de Brasília, sob as ordens de seu primo, Pablo (o uruguaio César Troncoso). Perseguido por um policial corrupto (Antonio Calloni), ele se esconde no apartamento da estudante Maria Lúcia (Isis), “menina linda” a quem jura seu amor.
— Não faço a Maria Lúcia de todos. Fiz a minha, a partir de uma canção que sempre me fez chorar. Uma canção que sintetizou questões de toda uma geração — diz Isis.
“Rockonha”
Conforme o amor do casal criado por Renato Russo cresce, Santo Cristo é obrigado a usar sua Winchester 22 para combater Jeremias (Felipe Abib), o “maconheiro sem-vergonha” que “desvirginava mocinhas inocentes”. É Jeremias quem sustenta o vício dos dependentes químicos de Brasília.
E é ele quem organiza a Rockonha, festa estranha com gente esquisita que faz toda a cidade dançar. Estabelecido como um barão da cocaína na capital, Jeremias usa seus contatos ilegais na polícia local (incluindo Marco Aurélio, personagem de Antonio Calloni) para enfrentar Pablo e Santo Cristo, submetido a “violência e estupro de seu corpo”. É nesse momento que Maria Lúcia se coloca entre os dois.
— Pensei muito em Sam Peckinpah antes de rodar. Mas, no set, a influência foi o novo cinema latino-americano. Um cinema feito por gente que viu muito filme americano e muito filme europeu e aproveita o melhor dessas duas referências em um olhar sobre a realidade brasileira — diz Sampaio.
Seu roteiro, ambientado entre 1979 e 1981, foi escrito por Marcos Bernstein e Victor Atherino, com consultoria do escritor Paulo Lins, autor de “Cidade de Deus”.
— A música (composta em 1979 e gravada no disco “Que país é este?”, de 1987) é cheia de tiros e duelos, mas eu não quis supervalorizar a brutalidade. Embora o roteiro seja fiel à música, preservando seus eventos, existe um retrato de uma cidade — diz Sampaio. — Somos carentes de uma ficção brasiliense que consiga chegar a um público amplo, levando um olhar sobre a geração que marcou, pela arte, a capital do país e mostrou que estamos além da corrupção.
Último papel de Marcos Paulo
Cenas de amor pautadas pelo lirismo diminuem fronteiras econômicas entre Santo Cristo e sua amada, filha de um senador interpretado pelo ator e diretor Marcos Paulo (1951-2012), que fez em “Faroeste” seu último papel nas telas.
— O que a gente leva às telas é um exercício de autoconhecimento sobre o Brasil a partir da imagem de um negro que simboliza os operários que construíram a capital do país — diz Fabrício Boliveira. — A Legião Urbana surge em meio à diáspora pop de grupos que partiram de Brasília e ganharam o Brasil, fazendo do rock uma ideologia. É essa força do passado que “Faroeste...” recria. E ela chega como uma bandeira de afirmação das diferenças em meio à grita nacional contra Feliciano (o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, Pastor Marco Feliciano), contra a intransigência.
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