HÉLIO SCHWARTSMAN
A
ética da fila
SÃO
PAULO - Escritórios da avenida Faria Lima, em São Paulo, estão contratando
flanelinhas para estacionar os carros de seus profissionais nas ruas das imediações.
O custo mensal fica bem abaixo do de um estacionamento regular. Imaginando que
os guardadores não violem nenhuma lei nem regra de trânsito, utilizar seus
serviços seria o equivalente de pagar alguém para ficar na fila em seu lugar. Isso
é ético?
Como
não resisto aos apelos do utilitarismo, não vejo grandes problemas nesse tipo
de acerto. Ele não prejudica ninguém e deixa pelo menos duas pessoas mais
felizes (quem evitou a espera e o sujeito que recebeu para ficar parado). Mas é
claro que nem todo o mundo pensa assim.
Michael
Sandel, em "O que o Dinheiro Não Compra", levanta bons argumentos
contra a prática. Para o professor de Harvard, dublês de fila, ao forçar que o
critério de distribuição de vagas deixe de ser a ordem de chegada para tornar-se
monetário, acabam corrompendo as instituições.
Diferentes
bens são repartidos segundo diferentes regras. Num leilão, o que vale é o maior
lance, mas no cinema prepondera a fila. Universidades tendem a oferecer vagas
com base no mérito, já prontos-socorros ordenam tudo pela gravidade. O problema
com o dinheiro é que ele é eficiente demais. Sempre que entra por alguma
fresta, logo se sobrepõe a critérios alternativos e o resultado final é uma
sociedade na qual as diferenças entre ricos e pobres se tornam cada vez mais
acentuadas.
Não
discordo do diagnóstico, mas vejo dificuldades. Para começar, os argumentos de
Sandel também recomendam a proibição da prostituição e da barriga de aluguel,
por exemplo, que me parecem atividades legítimas. Mais importante, para opor-se
à destruição de valores ocasionada pela monetização, em muitos casos é preciso
eleger um padrão universal a ser preservado, o que exige a criação de uma espécie
de moral oficial --e isso é para lá de problemático.
helio@uol.com.br
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