14
de abril de 2013 | N° 17402
VERISSIMO
Oásis
Numa
recente London Review of Books, o escritor irlandês Colm Tóibín desenvolve uma
tese instigante sobre três autores, Fernando Pessoa, Jorge Luis Borges e Flann
O`Brien, este último um contemporâneo de James Joyce que passou a vida inteira
ao mesmo tempo venerando e cutucando o autor de Ulysses. Os três são de cidades
Lisboa, Buenos Aires e Dublin situadas à margem da literatura mundial, cidades
que Toíbín descreve como desertos culturais, em contraste com os centros de
criação da sua época como Paris e Londres.
É estranho
Toíbín dizer isto sobre a Irlanda, que além, de Joyce produziu Beckett, Shaw,
Swift, Yeats etc. e mais prêmios Nobel de Literatura por metro quadrado do que
qualquer outro país do mundo. Mas a criação na Irlanda, de um jeito ou de
outro, sempre foi um reflexo do domínio inglês, tanto da sua política quanto da
sua cultura, e os premiados irlandeses foram todos fazer sua reputação e ganhar
sua vida em Londres enquanto Dublin ficava como a capital da memória, como
disse Lawrence Durrel de Alexandria, um lugar para ser evocado no exilio mais
do que habitado.
Os oásis
e as miragens só podem existir nos desertos e os três autores citados por Toíbín
viveram e escreveram nos seus respectivos refúgios do deserto. Dos três só um (O`Brien)
produziu um texto longo, os outros só fizeram poesia e contos – uma literatura
de oásis, nutrida pela imaginação de cada um em vez de pela aridez em volta,
que podiam retratar apenas à distância, como paródia ou curiosidade.
O
fato de não contarem com uma cultura local estabelecida para alimentar sua criação
de certa maneira os autorizou a comer da tradição literária de todo o mundo,
com licença para serem mais criativos do que de todo o mundo. Pessoa e Borges,
principalmente, eram multinacionais antes de inventarem o termo.
A
linguagem do oásis é diferente da linguagem do deserto. A prática de viver em oásis
permitiu aos três brincar com a linguagem e uma forma que seria impossível sem
esta distância. A biografia dos três ajudou nesse sentido. Pessoa viveu na África
do Sul entre os sete e os 17 anos e quando voltou a Lisboa falava inglês melhor
do que português. Muitos dos seus poemas foram escritos em inglês. Borges tinha
uma avó inglesa que morava com a família, e cresceu falando espanhol e inglês.
Dos 15
aos 22 anos, Borges morou em Genebra, onde falava francês e inglês, além do
espanhol. O’Obrien só falou irlandês até os 10 anos, e escrevia em irlandês e
inglês. Uma língua vista de fora ou de longe revela todas as idiossincrasias e
possibilidades que os que a falaram sempre nem sempre vêem. O russo Nabokov
escrevendo em inglês é um exemplo dos prodígios possíveis com uma língua recém
apreendida, e tem um predecessor igualmente admirável no polonês Joseph Conrad.
Borges dizia que sua grande vontade literária era ter escrito toda a 11ª edição
da Enciclopédia Britannica. Em inglês, claro.
Outra
afinidade citada por Toíbín é a afeição dos três por heterônimos. Pessoa usou,
entre outros, os nomes Ricardo Reis, Alberto Caieiro, Alvaro de Campos,
Bernardo Soares. Borges foi B. Suarez Lynch e H. Bustos Domecq. O nome
verdadeiro de O’Brien era Brian O. Niallain e ele também escreveu com o pseudônimo
(atenção revisor, é assim mesmo) Myles na Copaleen.
Heterônimos
podem ser considerados miragens, figuras fluidas e imaginárias que só servem
para fazer companhia nos oásis e serem cúmplices nos jogos com a linguagem de
que os três gostavam tanto. Escreve Toíbín: “Não foi coincidência que os três não
tiveram filhos, que não escreveram sobre mulheres ou, no caso de dois deles,
eram levemente misóginos.
Quando
dois deles se casaram foi uma grande surpresa para seus amigos: pareciam mais
confortáveis (ou mais confortavelmente desesperados) como solteiros do que como
pais ou maridos. Na verdade, os três, apesar disso não ser da nossa conta,
podem ter morrido virgens. Um deles disse que não tinha ambições ou desejos. “Ser
um poeta não é uma ambição, é a minha maneira de estar sozinho’.”.
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