Jaime
Cimenti
Divagações, conversa de marido
com abajur
A
senhora de cabelos prateados diz muito prazer, dá boa tarde ao psiquiatra de
ralos cabelos brancos e entra no antigo e silencioso consultório da velha
Tobias da Silva, rua onde morou o Brizola, também conhecida como Fobias da
Silva.
Com
um gesto resoluto, senta-se na ponta do assento da poltrona bergère, não cruza
as pernas e fica segurando, com as duas mãos, as alças da bolsa de couro preto,
pousada sobre os joelhos, dizendo, com o corpo, que não quer utilizar todos os
minutos do tempo de 50 minutos da consulta.
O
psiquiatra mal tenta fixar os olhos nos olhos inquietos da senhora e ela já sai
falando e metralhando: “doutor, meu marido está muito estranho, muito
esquisito, meio doido mesmo. Me explique o que ele tem, por favor.
Olha,
doutor, ele fala com o abajur amarelo do nosso quarto”. Ele: “Me diga, dona
Clotilde, a senhora viu ele falando?”. Ela: “Não, não vi”. E assim segue. Me
diga, a senhora ouviu ele falando, escutou atrás da porta ? Não, não ouvi. Tem
filhos em casa, empregada, dona Clotilde? Eles lhe contaram sobre o fato? Não,
doutor, não me contaram e nem vou perguntar. Pois bem, me diga, então, como
soube que seu esposo fala com o abajur?
Bem,
doutor, anteontem, lá pela uma e meia da madrugada, o próprio abajur me contou,
me disse com todas as letras, sem titubear, que ele fala com ele. Olhe, dona
Clotilde , por vezes uma pessoa pode ouvir vozes, imaginar, entende, essas
coisas acontecem, não se assuste. Olhe aqui, doutor, não tive nenhuma
alucinação auditiva e nem vou ter, posso lhe garantir.
O
problema é com ele, tenho certeza absoluta. Bem, nesse caso, então, o que lhe
parece trazê-lo aqui em uma consulta, para, quem sabe, ajudá-lo? Olhe, doutor,
isso não pretendo fazer, pois estou certa do que lhe disse e acho que ele não
deve fazer parte disso. Ele não deve participar de nossa terapia, se
houver terapia. Ele não tem condições para isso. Não ia
adiantar.
Ele
é muito teimoso, genioso, esquisito. Melhor não, posso lhe assegurar. Deixa ele
quieto, falando lá com o abajur dele. Pois é, dona Clotilde, acho que preciso,então,
lhe ouvir mais, lhe conhecer melhor, vamos marcar algumas sessões e ver o que
podemos fazer. Marque aí, doutor, mas não vou lhe garantir que venha. Acho que
já dei meu recado e agora que falei, botei para fora, quem sabe é hora de agir
e ponto.
A senhora
é que sabe, vou lhe esperar depois de amanhã, às dez horas, certo? Obrigada,
vou pensar. Vamos ver, o senhor já me ouviu, cumpriu seu papel, boa tarde, obrigada. Boa tarde, até quinta.
Ou não, a senhora é que decide.
Jaime
Cimenti
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