sexta-feira, 26 de abril de 2013


Jaime Cimenti

Divagações, conversa de marido com abajur

A senhora de cabelos prateados diz muito prazer, dá boa tarde ao psiquiatra de ralos cabelos brancos e entra no antigo e silencioso consultório da velha Tobias da Silva, rua onde morou o Brizola, também conhecida como Fobias da Silva.

Com um gesto resoluto, senta-se na ponta do assento da poltrona bergère, não cruza as pernas e fica segurando, com as duas mãos, as alças da bolsa de couro preto, pousada sobre os joelhos, dizendo, com o corpo, que não quer utilizar todos os minutos do tempo de 50 minutos da consulta.

O psiquiatra mal tenta fixar os olhos nos olhos inquietos da senhora e ela já sai falando e metralhando: “doutor, meu marido está muito estranho, muito esquisito, meio doido mesmo. Me explique o que ele tem, por favor.

Olha, doutor, ele fala com o abajur amarelo do nosso quarto”. Ele: “Me diga, dona Clotilde, a senhora viu ele falando?”. Ela: “Não, não vi”. E assim segue. Me diga, a senhora ouviu ele falando, escutou atrás da porta ? Não, não ouvi. Tem filhos em casa, empregada, dona Clotilde? Eles lhe contaram sobre o fato? Não, doutor, não me contaram e nem vou perguntar. Pois bem, me diga, então, como soube que seu esposo fala com o abajur?

Bem, doutor, anteontem, lá pela uma e meia da madrugada, o próprio abajur me contou, me disse com todas as letras, sem titubear, que ele fala com ele. Olhe, dona Clotilde , por vezes uma pessoa pode ouvir vozes, imaginar, entende, essas coisas acontecem, não se assuste. Olhe aqui, doutor, não tive nenhuma alucinação auditiva e nem vou ter, posso lhe garantir.

O problema é com ele, tenho certeza absoluta. Bem, nesse caso, então, o que lhe parece trazê-lo aqui em uma consulta, para, quem sabe, ajudá-lo? Olhe, doutor, isso não pretendo fazer, pois estou certa do que lhe disse e acho que ele não deve fazer parte disso. Ele não deve participar de nossa terapia, se houver  terapia.  Ele não tem condições para isso. Não ia adiantar.

Ele é muito teimoso, genioso, esquisito. Melhor não, posso lhe assegurar. Deixa ele quieto, falando lá com o abajur dele. Pois é, dona Clotilde, acho que preciso,então, lhe ouvir mais, lhe conhecer melhor, vamos marcar algumas sessões e ver o que podemos fazer. Marque aí, doutor, mas não vou lhe garantir que venha. Acho que já dei meu recado e agora que falei, botei para fora, quem sabe é hora de agir e ponto.

A senhora é que sabe, vou lhe esperar depois de amanhã, às dez horas, certo? Obrigada, vou pensar. Vamos ver, o senhor já me ouviu, cumpriu seu papel,  boa tarde, obrigada. Boa tarde, até quinta. Ou não, a senhora é que decide. 

Jaime Cimenti

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