28
de abril de 2013 | N° 17416
O
CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA
Nesta data querida, a história
de DONA ALICE
Hoje
é o dia de falar de Alice. Dona Alice. A sogra do meu amigo, o... Digamos que
ele se chame Luís Carlos.
É
que 28 de abril é o lampeiro Dia da Sogra, data da qual jamais esqueço e que a
cada ano comemoro com fervor, como se fosse um dia santo. Quanto a Dona Alice,
asseguro que não se tratava de uma sogra comum. Não mesmo.
Dona
Alice já não era mais uma jovenzinha, que nenhuma sogra o é. Mas se tratava de
bela unidade de mulher. O tempo havia sido bondoso com ela. Mais até: ao
arredondar docemente as formas, tornara-a mais atraente do que jamais fora –
tornara-a abundante, sem ser excessiva.
Luís
Carlos não era indiferente aos predicados de Dona Alice. Ao contrário, olhava
para sua namorada, a Aninha, tão magrinha, tão diáfana, e a imaginava na glória
do futuro, opulenta como a mãe.
–
Vale o investimento – dizia aos amigos.
Não
esperava, porém, o que ocorreu numa das tradicionais galinhadas de domingo:
depois de algumas taças de bom tinto da Serra, quando haviam passado a
fronteira do licor de ovos e até a do arroz de leite, Dona Alice lhe enviou
olhares à sorrelfa. Alguém pode dizer que olhares à sorrelfa são subjetivos, mas
aqueles, os de Dona Alice, não foram. Além disso, Luís Carlos orgulhava-se de
saber bem identificar os olhares à sorrelfa e a malícia de uma mulher, quando
se transformava em alvo deles. E, naquele dia, ele estava sendo alvo. Ah,
estava.
O
sogrão já meio que dormitava atrás do bigode, Aninha andava ocupada com o
cachorro no pátio e Dona Alice lhe pespegou um par de olhares que lhe amoleceu
os ossos, lhe formigou a virilha e lhe latejou as têmporas. Não era possível.
Dona Alice! Era sorte demais. Afinal, que homem não sonha em se repoltrear com
mãe e filha, sendo ambas lindas como eram Dona Alice e Aninha?
Logo
Aninha voltou do pátio, mas Luís Carlos permaneceu atento feito um perdigueiro.
E, realmente, durante todo o dia, passando pelo jogo do Gauchão, pelo Faustão e
pelo Domingo Maior, durante todo o dia Dona Alice lambeu-o com o olhar de
promessas, feito uma gata no cio. Luís Carlos não dormiu naquela noite,
pensando na sogra. Dona Alice. Ele não acreditava. Dona Alice!
No
meio da semana havia um feriado: 1° de maio. Ele sabia que veria a sogra de
novo. De fato, a viu. Quando chegou ao pátio, encontrou-a de biquíni, tomando
sol à beira da piscina de plástico da família.
–
O-oi – cumprimentou, olhando aquele corpo, que corpo!, dourando-se lentamente,
reluzindo como uma lontra.
–
Oi, Lu – era a primeira vez que ela o chamava de Lu. Que delícia!
O
feriado inteiro foi Lu à esquerda, Lu à direita, Lu em cima, Lu embaixo, e a
cada Lu um sorriso, a cada Lu um olhar à sorrelfa. Luís Carlos queria morrer.
Ele sabia, sim, reconhecer olhares à sorrelfa e malícia de mulher.
O
feriado terminou, a sexta chegou e depois dela, como sói acontecer, veio o
sábado. Luís Carlos tinha sido convidado para jantar na casa dos sogros. Dona
Alice o recebeu dentro de um vestido leve, que subia acima dos seus joelhos
redondos. Joelhos de Scarlett Johansson. Em meio ao jantar (arroz de bacalhau
que ela fez com suas próprias mãos, divino, tudo nela era divino!) os olhares
continuaram. Luís Carlos já não aguentava mais. Até que ela o chamou da porta
da cozinha:
–
Lu, deixa o pessoal aí vendo Supercine e vem me ajudar com a louça.
Ele
foi, o coração batendo feito o bumbo da banda do Colégio São João. Ao chegar,
ela se debruçou na pia e miou:
–
Vem. Vem, Lu, vem...
Ele
compreendeu o código: pulou em cima da sogra com sofreguidão, agarrando-a pelas
carnes fartas das ilhargas, fazendo biquinho para beijá-la e gemendo:
–
Dona Alice! Dona Alice!
Ato
contínuo, introduziu sua língua por entre os dentes fortes dela e sentindo-lhe
o céu da boca e as gengivas róseas sentiu também o gosto do bacalhau recente e
da saliva perfumada, e gemeu de novo:
–
Ddddona Alice!
Ela
parecia ceder, parecia entregar-se, mas, então se deu: emitindo um grito de
horror, TARADO!, Dona Alice o empurrou com força com as duas mãos e, enquanto
ele batia com as costas na borda da mesa, ela repetiu:
–
TARADO!!!
Acudiram
o sogro, Aninha e o cachorro. Viram Dona Alice amarfanhada e Luís Carlos
descomposto, vermelho, arfante, a culpa chispando no olhar.
–
Ele me agarrou – acusou Dona Alice. – Me agarrou!
–
Lu! – uivou Aninha, já começando a chorar.
–
Desgraçado! – xingou o sogro, já se armando com uma faca de cozinha, que,
minutos antes, partira uma posta de bacalhau ao meio.
Foi
o fim do namoro de Luís Carlos. O fim do futuro com Aninha e do sonho com Dona
Alice. E até hoje meu amigo não sabe se, afinal, ele sabe ou não identificar
olhares à sorrelfa e a malícia das mulheres.
A
pior profissão
Lá
nos Estados Unidos, que é uma terra de estatísticas e rankings, eles montaram
um ranking das melhores e piores profissões do mundo. Listaram 200 profissões.
Pois sabe qual é a pior? A última? A ducentésima?
A
minha. Repórter de jornal.
Sim,
porque, na essência, eu sou um repórter de jornal, com muito orguuuulho, com
muito amoooor.
Acima
de repórter de jornal, a número 199, está a de lenhador. Aquele cara que fica
dando machadadas num tronco, de camisa xadrez, aquele cara vive melhor que
repórter de jornal.
Também
acima estão o leiteiro (195), o leitor de água e luz (194) e o carteiro (193).
Essas três profissões são parecidas: o sujeito passa o dia de casa em casa,
podendo ser mal recebido, ter que enfrentar cães brabos, essas coisas
desagradáveis. A propósito, lembro de um grande livro do Bukowski, “Cartas na
Rua”, em que ele se vale do seu alterego para contar seu tempo como carteiro.
Leia. É ótimo.
Mas,
voltando às profissões, surpreendeu-me que o agente penitenciário está bem
acima do repórter (189), o que atesta em favor dos presídios americanos, e
também o lavador de pratos (187), o que é muito bom para os emigrantes
brasileiros, bem como o faxineiro (153), e isso que eles não dispõem das leis
protetivas que temos por aqui.
Lá
em cima, em primeiro lugar, está o atuário, e confesso que não sei o que faz um
atuário americano. Compreensível: sou um repórter de jornal, estou no fundo, no
rés do chão, distante das alturas dos felizes atuários. Como sofremos, nós,
repórteres de jornal.
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