ANTONIO PRATA
Estado de
graça
Devido
ao torpor gestacional, uma inédita mudança ocorreu em minha amada: ela deu para
me achar engraçado
Não
sei se são os hormônios, a emoção ou as toxinas liberadas pelo bebê, mas é fato
que durante a gravidez as mulheres padecem de um, digamos assim,
"handicap" cognitivo. As queixas variam de gestante para gestante: há
quem fique esquecida, quem funcione mais devagar; uma amiga relatou sérias
dificuldades para acompanhar a trama de "Rei Leão", enquanto outra
foi encontrar as chaves do carro "guardadas" no congelador --a forma
de gelo, ela procura até hoje.
Para
a glória e felicidade deste que vos escreve, minha mulher vem enfrentando, há
sete meses e uma semana, semelhantes situações. Digo glória e felicidade não
apenas pela paternidade que se aproxima, resgatando-me desta vil existência
mortal e cadastrando-me na eternidade, mas porque, devido ao supracitado torpor
gestacional, uma inédita mudança ocorreu no córtex cerebral de minha amada: ela
deu para me achar engraçado.
Por
seis anos, usei de todos os artifícios para fazê-la rir --embalde. Não que ela
seja triste ou lhe falte humor, longe disso, é que se trata de uma pessoa mais
refinada do que eu --ou, pelo menos, do que minhas piadas. Gosta de ir a balés,
a exposições, adora filmes de países remotos, em que há mais diálogos do balido
das cabras com o silvo do vento do que entre seres humanos.
Não
estou sendo irônico: admiro muito seu gosto e toda vez que, procurando algo em
nosso iPod, tropeço num Tchaikovsky ou esbarro num Chopin, percebo o quanto ela
me fez crescer, evoluir. Não fosse ela, eu ainda estaria por aí --de moletom,
provavelmente-- dizendo coisas como: "É pavê ou pacomê?!".
Ter
em casa tão implacável crítica fez de mim, modéstia à parte, um Stalone em
"Rocky IV" treinando na neve, um Daniel San em "Karatê Kid"
pintando muros: ensinou-me a ver na adversidade os halteres do espírito.
Espírito que, hoje, fortalecido, evita, por exemplo, mesmo que sob fortíssima
tentação, terminar o presente parágrafo com "Win Wenders e
aprendendo".
Ou
melhor, evitava, pois veio a gravidez e, num de seus muitos passes de mágica,
mudou tudo. Se antes, em meus melhores momentos seinfeldianos, merecia no
máximo um sorriso, hoje arranco aplausos com qualquer tirada de "Zorra
Total". Os halteres enferrujam na área de serviço de minh'alma. Tô pior
que tio bêbado em festa de família; é do pavê pra baixo --e só sucesso.
Que
sábia a natureza: durante anos, todo mês, manda a TPM para a mulher, aguçando
seu senso crítico, como se lhe sussurrasse: "Tem certeza de que é esse aí
o cara ideal para propagar os seus genes?". Após a fecundação, contudo,
sabendo da necessidade de um companheiro para trazer javalis abatidos, fraldas
descartáveis e apoio moral, os hormônios baixam radicalmente os critérios, como
se sugerissem à moça, em relação ao marido: "Se só tem tu, vai tu
mesmo!". Ainda que "tu" seja esse cara aí no chuveiro, cantando
"Mama Áustria", um velho clássico do "Casseta &
Planeta", e, veja só, lucrando uma bela gargalhada.
Filhota,
prometo fazer tudo o que estiver ao meu alcance para ser um bom pai. Uma coisa,
contudo, garanto: serei um pai engraçado. Pergunte à sua mãe --de preferência,
quando ela estiver grávida do próximo.
antonioprata.folha@uol.com.br
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