28
de abril de 2013 | N° 17416
ARTIGOS
- Diana Lichtenstein Corso*
Laerte
Tenho
várias tiras do Laerte Coutinho coladas numa parede em meu consultório, são
como enigmas que seguem me interrogando. Mais do que um cartunista, ele escreve
poesia e filosofia com imagens. Suas tiras são abismos de múltiplos
significados nos quais me perco. Todas as recomendações são poucas para que o
leitor conheça sua obra. Ele é certamente um dos artistas mais importantes do
Brasil.
Quando
já o admirava, ele passou a dedicar sua vida a um tema nada prosaico: a
identidade sexual. Começou a vestir-se de mulher, frequentava o Brazilian
Cross-dresser Club, discretamente, sob o nome de Sônia. Aos poucos, o prazer de
usar a indumentária do sexo oposto deixou a clandestinidade.
A
revista Piauí de abril (nº 79) dedica-lhe várias páginas, numa reportagem na
qual é tratado por vezes com pronomes femininos, por outras masculinos. Sua
coragem desnuda a todos, quer usemos cuecas ou calcinhas. Na vida, como na
arte, ele produz uma imagem intrigante.
A
formação da identidade sexual é pura incerteza. Apesar disso, ao crescer
cruzamos com duas perguntas: o queremos e o que seremos, ou seja, a quem
desejamos e como nos pareceremos. Além da questão de gênero, o desejo aponta
muitas variações, preferiremos velhos ou moços, miúdos ou graúdos, humildes ou
opulentos, pessoas vistosas ou alguém cuja beleza brilha somente aos nossos olhos,
e assim por diante. Porém, uma definição bifurca os tipos de objetos de desejo:
do nosso sexo ou do oposto.
Não
falta quem lembre ingenuamente que a anatomia nos condena à complementaridade
fecunda do macho e da fêmea. Quanto ao que nos parecemos, há roupas para deixar
isso bem claro, convém que as usemos conforme o corpo com que chegamos ao
mundo. Os militantes dessas certezas fecham a questão.
Os
jovens contemporâneos a abrem e têm praticado a ambiguidade com uma liberdade
inédita. A androginia das roupas e adereços, assim como a bissexualidade das
escolhas amorosas, inquieta as gerações anteriores e as almas frágeis. Mas eles
não fazem mais do que externar incertezas que todos guardamos no armário.
Nunca
seremos suficientemente convincentes como homens ou como mulheres aos nossos
próprios olhos, da mesma forma, tampouco somos imunes à atração por pessoas de
ambos os sexos. Forjamos em nós certezas, as gritamos para acalmar as dúvidas
que nos sussurram aos ouvidos. Criamos mitos religiosos e até científicos para
dizer que existe uma definição clara dessa fronteira.
Antigamente,
quando que-ríamos dirigir uma mensagem a homens e mulheres dizíamos assim:
“prezado (a)”, ou seja, se você for mulher, também será contemplada, em segunda
opção. A luta feminista está tirando as mulheres desse segundo plano, hoje
diríamos assim: “prezad@”.
Com
o fim da divisão dos mundos que acompanhava a separação dos sexos, a identidade
sexual entrou em questão. Estamos banindo mais do que a opressão das mulheres,
trata-se agora da derrocada dos clichês sobre as características definidas de
cada gênero. Laerte diz ser “uma mulher em caráter experimental”, eu te
compreendo querida, eu também sou.
*PSICANALISTA
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