25
de abril de 2013 | N° 17413
L. F.
VERISSIMO
O verniz
A dúvida
sobre tratar o acusado pelas bombas em Boston como cidadão americano, com todos
os seus direitos respeitados, ou como “combatente inimigo” julgado por um
tribunal militar, com direitos restritos e, se condenado, execução garantida, e
a proposta de se baixar a idade para a responsabilização penal no Brasil são
questões parecidas.
Nos
dois casos, o que se propõe é um retrocesso, a suspensão de conquistas da
civilização para enfrentar exigências extremas: no caso americano, o combate
exemplar ao terrorismo, que não comportaria filigranas jurídicas, no nosso
caso, a evidência de que cada vez mais crimes são cometidos por menores,
inimputáveis segundo a legislação.
A
conclusão nos dois casos é que o processo civilizatório que priorizou a proteção
dos direitos de todos, inclusive de criminosos, foi uma conquista da retórica
dos bons sentimentos, impraticável diante da crua realidade. Os casos extremos
testam a possibilidade de a razão e a ponderação conviverem com o
embrutecimento geral da espécie, e para enfrentá-los retrocedemos ao tempo em
que não havia proteção alguma contra a prepotência do Estado ou o erro da Justiça.
Quando
não retrocedemos ao tempo da reciprocidade bíblica, do olho por olho, de uma
atrocidade vingando outra. E o verniz da civilização se espedaça.
Nos
Estados Unidos, pelo menos em teoria (ou no cinema), todo preso tem direito de
saber seus direitos na hora da prisão: de manter-se em silêncio, de não se
incriminar e de ter um advogado.
Principalmente
depois dos atentados de 11/9, quando o Bush declarou guerra ao terrorismo
mundial, os Estados Unidos têm enfrentado o dilema de serem – na sua própria
avaliação – a única nação moral do mundo, obrigada a recorrer a todos os meios
para se defender do terror, inclusive a oficialização mal disfarçada da tortura.
Os
presos sem direitos em Guantánamo são um embaraço permanente para os americanos
e tornam hipócrita a condenação dos presos políticos em Cuba. O que fazer para
satisfazer a revolta nacional com o ataque covarde em Boston é outro desafio
moral para a Justiça americana. Parece que escolheram processar o prisioneiro
como cidadão do país. Ponto para a civilização, ou o que resta dela.
No
Brasil, a questão da maioridade penal ainda está para ser decidida. Talvez o
verniz ainda resista mais um pouco.
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