terça-feira, 16 de abril de 2013



16 de abril de 2013 | N° 17404
CLÁUDIO MORENO

Poeira de estrelas

Quando Zeus transformou Órion, o caçador, numa estrela, ele não se sentiu sozinho, pois o céu de antigamente era habitado por dezenas de personagens e animais mitológicos. O próprio Sol, a Aurora, a Lua – todos eram divindades, maiores ou menores, que povoavam o firmamento graças à imaginação de nossos antepassados.

Muitos foram os mitos criados para explicar os planetas e as constelações. Um dos mais curiosos, talvez, é o que narra o nascimento da nossa galáxia: Zeus, mesmo sendo casado com Hera, elegeu uma mortal para ser mãe de um filho especial, Hércules, a quem reservava um destino glorioso.

Para garantir que o bebê se tornaria um homem excepcional, levou-o às escondidas para o Olimpo e deixou-o mamar em Hera, que estava adormecida. Contudo, o pequeno Hércules sugava com tanta força que a deusa acordou sobressaltada e, ao ver aquela criança agarrada a seu seio, afastou-a com um gesto instintivo. Com o susto, o guloso deixou escapar da boca um jato do leite divino, que atravessou o céu e deu origem ao que chamamos até hoje, com justa razão, de Via Láctea.

Com o passar dos séculos, veio o declínio do mundo greco-romano – e, consequentemente, de toda essa mitologia; com isso, tornou-se deserto aquele céu tão densamente povoado. Todas aquelas criaturas familiares desapareceram, restando apenas o Universo organizado por suas leis imutáveis. Expressando o sentimento da nova época, o filósofo Pascal, no séc. 17, confessava o temor que sentia diante do que ele definiu como “o silêncio eterno desses espaços infinitos”.

Ora, se ao olharem para cima os gregos viam os deuses e Pascal via o infinito, nós outros não vemos mais nada. Numa madrugada de 1994, um violento terremoto abalou a Califórnia, destruindo cidades e rodovias e provocando um blecaute em toda a região. Ao saírem à rua para avaliar os danos, os californianos, talvez pela primeira vez na vida, viram-se mergulhados na mais profunda escuridão.

Pois naquela noite e nas que se seguiram, a Defesa Civil recebeu incontáveis ligações relatando que depois do terremoto havia surgido no céu uma grande e estranha nuvem prateada, cheia de pontos luminosos – e só a muito custo as pessoas foram convencidas de que a “nuvem” gigantesca e ameaçadora era apenas a Via Láctea, que sempre esteve ali desde a origem do planeta.

Ninguém vai negar que a iluminação elétrica veio aumentar nosso dia e melhorar nossa vida, mas poucos se deram conta do preço secreto que acabamos pagando por isso: o clarão da cidade moderna, ao privar-nos do majestoso espetáculo do céu noturno, tirou-nos também a oportunidade, renovada a cada noite, de sentir o ínfimo papel que representamos na ordem natural das coisas.

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