terça-feira, 23 de abril de 2013



23 de abril de 2013 | N° 17411
LUÍS AUGUSTO FISCHER

Como e por que caiu o cânone?

O assunto tem cara de vetusto já, esse da queda do cânone literário. Há uma série de motivos, que podem começar em várias pontas de argumentação. Por exemplo, pode-se colocar o feminismo como um dos elementos de crítica ao cânone escolar, tradicionalmente despreocupado com o tema da mulher, que é chamado ao centro do debate pelo feminismo. Vou avançar em outros fatores do processo.

1. A profissionalização do campo literário, em especial sua fração universitária (posterior aos anos 1970, com a criação dos programas de pós-graduação, das associações de professores, das entidades de financiamento etc.), que gerou um movimento centrífugo, o único capaz de acompanhar a enorme variedade de assuntos para as incontáveis monografias, ensaios, dissertações e teses.

2. A chegada forte dos computadores pessoais e da internet (anos 90 em diante), que horizontalizaram a pesquisa, a troca de informações, a produção de textos, em escala exponencial, implicando um aumento impressionante dessas três atividades, também elas centrífugas. Idem, a enorme facilitação da publicação.

Vivemos hoje, em todos os quadrantes da ação humana no Ocidente, uma crise de superprodução: o livro, em sua dimensão de objeto de mercado, de mercadoria, vive agora uma situação de superoferta, o que barateia sua existência, seu fluxo. Interessante paradoxo: essa pulverização de meios aumentou o prestígio da escrita e da leitura – todo mundo quer ser escritor.

3. A expansão do ensino superior (no Brasil, primeiro com as faculdades privadas, anos 90, mais recentemente com a onda de crescimento das escolas federais), que aumentou o tamanho do mercado de idéias, criando um varejão imenso, sem muito critério a não ser em centros com alguma tradição crítica e/ou com inserção social marcante.

Se já era relativamente raro haver escolas ou tradições de pensamento e pesquisa, em nossa área – não havia praticamente nenhuma nos cursos de Letras (que nasceram apenas, quando fora dos seminários e conventos, nos anos 40 e 50, e eram não mais que escolas normais superiores), antes dos anos 1970 –, dos 70 em diante essa variedade se impôs randomicamente, para o bem e para o mal.

(Tradição crítica na literatura havia onde houvesse cursos de Direito e/ou instituições e editoras atuantes, antes disso; lembremos Recife ou São Paulo, em torno de cursos de Direito, ou o Rio e Porto Alegre, em torno de instituições e editoras.) Mais uma força centrífuga.

Tem mais, outra hora.

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