BENJAMIN STEINBRUCH
XÔ, MAU HUMOR
O
mau humor, no caso da economia, pode ser a manifestação de quem torce contra o
país
Li há
dias uma frase do filósofo austríaco Ludwig Josef Johann Wittgenstein (1889-1951)
que diz o seguinte: "O humor não é um estado de espírito, mas uma visão de
vida". E pensei imediatamente em comportamentos verificados hoje na
economia brasileira.
Dissemina-se
indisfarçável mau humor com a economia. A inflação está sendo pintada com cores
do velho dragão, um exagero, visto que está em nível próximo da média anual dos
últimos 14 anos, de 6,4%.
A
rabugice do mercado leva a uma avaliação a meu ver exageradamente pessimista do
valor dos ativos de algumas empresas brasileiras de capital aberto. Não
pretendo citar exemplos, mas o leitor sabe que algumas companhias perderam de 50%
a 80% de seu valor de mercado. Será que elas valiam tanto antes? Será que valem
tão pouco agora? Como sempre, provavelmente a virtude está no meio.
Claro
que a inflação é um inimigo a ser combatido com vigor e persistência --já aprendemos
essa lição nos anos hiperinflacionários da década de 1980. Mas não é disso que
se trata. Trata-se, hoje, de um problema de humor que leva até economistas de
renome a proclamar os riscos de uma inflação de tomate, que não passa de um
desarranjo momentâneo na produção dessa fruta.
Cá entre
nós, é óbvio que o mercado financeiro vive uma crise de abstinência de juros. Os
agentes desse mercado estavam acostumados com altas doses de juro real (acima
da inflação), agora reduzidas. Como nos casos das drogas, a abstinência provoca
modificações "orgânicas" que levam o dependente a buscar argumentos
que justifiquem a volta à situação anterior.
Na
semana passada, o Banco Central deu certo alívio a essa crise de abstinência ao
elevar os juros em 0,25 ponto percentual, para 7,5% ao ano. Essa pequena mudança
não terá impacto na economia, mas, quem sabe, poderá ter efeito psicológico
para atenuar a tensão do mercado.
Não
há como negar que os dois últimos anos foram difíceis, principalmente para
empresas que produzem. Os preços internacionais de exportação caíram, o
crescimento econômico tem sido baixo aqui e lá fora, o custo da mão de obra
disparou e pioraram as margens e os resultados das empresas. A indústria se
contraiu e há, sem dúvida, um processo de desindustrialização no país.
Neste
ano, a balança comercial flerta com o deficit e as importações continuam a inviabilizar
a produção interna em vários setores industriais. Além disso, o país ainda não
enfrentou o problema da racionalização da estrutura tributária, especialmente
do PIS/Cofins e do ICMS.
Tudo
isso é verdade, mas é prerrogativa de mal-humorados olhar apenas para o lado
negativo das coisas --uma visão de vida, na expressão de Wittgenstein. Não é o
meu caso. Prefiro lembrar o que disse Fernando Sabino (1923-2004): "Antes
de mais nada, fica estabelecido que ninguém vai tirar meu bom humor".
E
isso porque há várias razões para ter atitude positiva em relação ao país. No último
ano, além da redução da taxa básica de juros para um nível mais civilizado,
houve ajuste cambial que melhorou a competitividade das exportações, redução
dos custos da energia, desonerações de folhas de pagamento de dezenas de
setores, taxação de algumas importações para estimular a indústria nacional e
concessões nas variadas áreas de infraestrutura.
Antes
de franzir a testa em atitude rabugenta, é preciso observar que a crise global
já dura cinco anos e que o Brasil, a despeito de todos os problemas, jamais foi
ameaçado nesse período. O nível de emprego é recorde --o que provoca escassez
de mão de obra--, a renda dos brasileiros está em alta e mais bem distribuída e
a pobreza extrema vem sendo combatida com sucesso.
Na área
externa, o país está muito longe de enfrentar crises cambiais porque tem
reservas de US$ 370 bilhões e, além disso, ainda conta com o ingresso de
elevados investimentos diretos estrangeiros.
Os
psiquiatras chamam de "distímicos" os indivíduos que só enxergam o
lado negativo do mundo. O mau humor, portanto, pode ser doença, mas, no caso da
economia, também pode ser a manifestação de quem torce contra o país por razões
variadas. Minha recomendação é que se fique longe desses mal-humorados, seja na
economia, seja em qualquer outra área, pois essa doença é contagiosa. Xô, mau humor!
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