23
de abril de 2013 | N° 17411
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Ermenegildo
Fui
comprar um terno. Tenho alguns, mas desejava adquirir uma opção para o inverno.
Acompanhado da namorada Juliana, entrei em loja do térreo do Shopping Iguatemi
totalmente desavisado.
Era
um espaço mais tradicional, conservador, de grife. Não custava olhar, apesar de
não fazer meu gênero. Girei pelos manequins à procura de um conjunto moderno em
conta.
Nenhum
casaco descia em meus ombros com exclusividade. Já estava com a cabeça fora
dali, idealizando o nosso jantar. Mas, na saída dos corredores, percebemos um
terno lindo, preto, com corte diferente nas mangas.
Para
quê? Experimentei e entrou como se a minha pele nascesse dele. Não escondi o
entusiasmo e questionei o preço para a vendedora. Ela soletrou:
– R$
4 8 9 6 5...Já vibrei com o braço na frente do espelho, meditando que poderia
pagar R$ 489. Arrematei o cabide: – Decidido, vou levar!
A
atendente arrumou a barra com alfinetes, dancei Travolta com o novo visual,
combinei a retirada na próxima tarde, e me dirigi ao pagamento. Para me
certificar, consultei o preço.
Ela
reiterou pausadamente: – R$ 4 8 9 6 5...Juliana ficou perplexa. Não alcancei a
confusão. Deduzi que fosse pela passionalidade da compra.
Ela
abanava com as mãos em minha orelha: – Mas é um Ermenegildo, Fabrício,
Ermenegildo! Tranquilizei:
–
Vi, amor, um Ermenegildo mesmo, é barbada, né? Que sorte entrar aqui e pegar
uma promoção. Ela mordia os dedos.
Eu
não tinha ideia de que a peça se tratava de Ermenegildo Zegna, pai dos ternos
da Itália, Dom Corleone do tecido, mentor de Dolce Gabbana e Armani, figurino
predileto do Oscar, stradivarius das golas.
Confesso
que desconhecia Ermenegildo.
Na
hora de passar o cartão, a caixa perguntou se eu desejava parcelar o valor. Disse
que não precisava, que poderia ser direto no débito. Em uma vez. Juliana
arregalou as sobrancelhas.
O
cartão não autorizou. Reforcei que havia saldo. A caixa explicou que as
financiadoras não aprovam compras em shoppings depois das 22h, para evitar
sequestros.
Ela
tentou driblar o controle e dividir o valor em dois cartões. Eu assobiava de
feliz. Neste momento, eu vi, eu enxerguei a verdade cósmica dos números no
visor, o E=mc2 do meu consumo.
O
valor da compra era de R$ 4.896,50. A soletração sem vírgula da funcionária me
confundiu. O terno de Ermenegildo, em promoção, valia R$ 5 mil.
Reprisei
as feições da namorada em sequência, e compadeci do seu desespero. Um pouco
antes, no mercado, na frente dela, neguei uma gilete pelo acréscimo de R$ 0,50.
Não
entendeu nada do que aconteceu. O meu surto. A minha surdez. Quando descobri o
engano, não encontrei coragem de contar a verdade e menti para a vendedora que
voltaria no dia seguinte.
O
terno continua me esperando, com as minhas medidas impressas na calça.
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