domingo, 14 de abril de 2013


MAURICIO STYCER

"Televisão não é ciência"

O peso da intuição e do instinto podem ser fundamentais em algumas decisões

Warren Littlefield trabalhou por quase 20 anos na NBC, uma das três principais redes de TV aberta dos Estados Unidos. Entre 1991 e 1998, foi presidente da divisão de entretenimento. Sob o seu guarda-chuva, nesse período, foram produzidas as séries "Frasier", "Seinfeld", "Friends", "ER", "Mad About You" e "Will & Grace", entre outras.

É de Littlefield a frase que está no título da coluna: "Televisão não é ciência, e o público não reage bem a coisas novas ou diferentes". Ele faz a observação ao reconstituir esse período de extrema criatividade no mundo da televisão no livro "Top of the Rock" (US$ 11,99 em versão para Kindle), lançado em 2012.

Pode parecer jogo de cena ou (falsa) modéstia, mas o livro está repleto de exemplos que mostram como, de fato, alguns desses grandes sucessos da NBC ocorreram sem que os principais envolvidos tivessem uma compreensão clara dos seus motivos.

O caso de "Seinfeld", um dos mais bem-sucedidos seriados da história, é exemplar. A NBC comprou a ideia e aprovou a realização de um programa-piloto em 1988. Exibido em sessões fechadas, para diferentes tipos de público, produziu a pior das impressões. O relatório com o saldo destas sessões termina com as seguintes palavras: "Desempenho do piloto: FRACO".

Engavetado por um ano, o projeto mereceu uma chance em 1989, quando a NBC encomendou quatro episódios a Jerry Seinfeld e Larry David, os idealizadores da série. Várias sugestões de mudanças foram feitas, mas a dupla não as acatou. "Ainda bem que eles não me ouviram", diz hoje Perry Simon, então um dos executivos da emissora.

Apesar das restrições e dúvidas, algo movia a direção do canal. Seinfeld relata no livro: "Havia muitas pessoas na NBC e na (produtora) Castle Rock naquela época que olhavam para o que estávamos fazendo e diziam: Não entendo isso direito, mas... sigam em frente'". O programa foi exibido por nove temporadas, até 1998.

O peso da intuição e do instinto podem ser fundamentais em algumas decisões. O ator Jason Alexander conta no livro que, num dos primeiros quatro episódios de "Seinfeld", seu personagem, George, não aparece. "Foi quando eu fui ao Larry (David) e disse: se você fizer isso de novo, terá que fazer de forma permanente".

Na criação de "Friends", algo semelhante ocorreu. O ator Matt LeBlanc, o Joey, recorda-se de ter procurado os autores da série, ainda na fase de leitura dos roteiros, e pedido: "Que tal se o Joey sair com todas as garotas de Nova York, menos com estas três?".

Referia-se às protagonistas Rachel (Jennifer Aniston), Monica (Courteney Cox) e Phoebe (Lisa Kudrow). LeBlanc conta que fez esse pedido por ter intuído que a série teria vida longa, como teve (foram dez temporadas), e que seu personagem teria mais chances de crescer se ele não ficasse preso a uma das três garotas protagonistas.

Outra lição diz respeito à necessidade de correr riscos. Na oitava temporada, contra a vontade do elenco e, possivelmente, dos fãs, Joey namorou Rachel (todo mundo queria que ela ficasse com Ross, o personagem de David Schwimmer). David Crane, um dos autores do seriado, explica. "Sabemos que é errado. É por isso que vamos fazer", disse então aos atores.

mauriciostycer@uol.com.br

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