MAURICIO
STYCER
"Televisão não é
ciência"
O
peso da intuição e do instinto podem ser fundamentais em algumas decisões
Warren
Littlefield trabalhou por quase 20 anos na NBC, uma das três principais redes
de TV aberta dos Estados Unidos. Entre 1991 e 1998, foi presidente da divisão
de entretenimento. Sob o seu guarda-chuva, nesse período, foram produzidas as
séries "Frasier", "Seinfeld", "Friends",
"ER", "Mad About You" e "Will & Grace", entre
outras.
É de
Littlefield a frase que está no título da coluna: "Televisão não é
ciência, e o público não reage bem a coisas novas ou diferentes". Ele faz
a observação ao reconstituir esse período de extrema criatividade no mundo da
televisão no livro "Top of the Rock" (US$ 11,99 em versão para
Kindle), lançado em 2012.
Pode
parecer jogo de cena ou (falsa) modéstia, mas o livro está repleto de exemplos
que mostram como, de fato, alguns desses grandes sucessos da NBC ocorreram sem
que os principais envolvidos tivessem uma compreensão clara dos seus motivos.
O
caso de "Seinfeld", um dos mais bem-sucedidos seriados da história, é
exemplar. A NBC comprou a ideia e aprovou a realização de um programa-piloto em
1988. Exibido em sessões fechadas, para diferentes tipos de público, produziu a
pior das impressões. O relatório com o saldo destas sessões termina com as
seguintes palavras: "Desempenho do piloto: FRACO".
Engavetado
por um ano, o projeto mereceu uma chance em 1989, quando a NBC encomendou
quatro episódios a Jerry Seinfeld e Larry David, os idealizadores da série.
Várias sugestões de mudanças foram feitas, mas a dupla não as acatou.
"Ainda bem que eles não me ouviram", diz hoje Perry Simon, então um
dos executivos da emissora.
Apesar
das restrições e dúvidas, algo movia a direção do canal. Seinfeld relata no
livro: "Havia muitas pessoas na NBC e na (produtora) Castle Rock naquela
época que olhavam para o que estávamos fazendo e diziam: Não entendo isso
direito, mas... sigam em frente'". O programa foi exibido por nove
temporadas, até 1998.
O
peso da intuição e do instinto podem ser fundamentais em algumas decisões. O
ator Jason Alexander conta no livro que, num dos primeiros quatro episódios de
"Seinfeld", seu personagem, George, não aparece. "Foi quando eu
fui ao Larry (David) e disse: se você fizer isso de novo, terá que fazer de
forma permanente".
Na
criação de "Friends", algo semelhante ocorreu. O ator Matt LeBlanc, o
Joey, recorda-se de ter procurado os autores da série, ainda na fase de leitura
dos roteiros, e pedido: "Que tal se o Joey sair com todas as garotas de
Nova York, menos com estas três?".
Referia-se
às protagonistas Rachel (Jennifer Aniston), Monica (Courteney Cox) e Phoebe
(Lisa Kudrow). LeBlanc conta que fez esse pedido por ter intuído que a série
teria vida longa, como teve (foram dez temporadas), e que seu personagem teria
mais chances de crescer se ele não ficasse preso a uma das três garotas
protagonistas.
Outra
lição diz respeito à necessidade de correr riscos. Na oitava temporada, contra
a vontade do elenco e, possivelmente, dos fãs, Joey namorou Rachel (todo mundo
queria que ela ficasse com Ross, o personagem de David Schwimmer). David Crane,
um dos autores do seriado, explica. "Sabemos que é errado. É por isso que
vamos fazer", disse então aos atores.
mauriciostycer@uol.com.br
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