RUTH
DE AQUINO -
26/04/2013
21h28
Vote
limpo
É muita
cara de pau exigir do eleitor brasileiro que “vote limpo”. Como se a lisura de
nossa democracia dependesse de mim e de você. Durante dois meses, a televisão
transmitiu 20 vídeos por dia para convencer o cidadão “infrator”, que não votou
nas três últimas eleições, a pagar multa e regularizar sua situação. A campanha
custou R$ 184 mil – de verba pública. E ameaçava punir pesado. O prazo terminou
na última quinta-feira, 25 de abril.
Havia
mais de 1,5 milhão de eleitores em falta com a Justiça Eleitoral. Desses, 129
mil ficaram “quites” nos últimos dias. O resto, pau neles. São maus cidadãos. O
título de eleitor será cancelado, serão impedidos de tirar documento de
identidade e passaporte, não poderão obter alguns empréstimos nem se matricular
em qualquer escola ou universidade pública.
Não
está certo. Um país que se gaba de ser uma democracia consolidada não pode
transformar um exercício de cidadania num dever draconiano. Se não votarmos por
impedimento geográfico ou inapetência pelo jogo sujo dos políticos, somos
obrigados a nos justificar? Entre as dez primeiras economias do mundo, o
Brasil, em sétimo lugar, é o único país a manter o voto obrigatório. Quem
defende essa excrescência fala “em nome da representatividade”, mesmo forçada.
Os
intelectuais adeptos do voto compulsório dizem que, se o voto for facultativo,
menos pobres e mais ricos votarão – e o resultado da eleição será distorcido em
favor da elite. É uma bobagem. Reforça a tese discriminatória de que “pobre não
sabe votar”. Tantos países ricos têm lamentado a alta abstenção nas eleições. É
cansativa, preconceituosa e ilusória essa tentativa de dividir as opiniões, as
ideologias e a consciência da sociedade entre ricos e pobres. Como se a vontade
de votar dependesse do contracheque. E como se os ricos tivessem mais motivo
para votar.
Uma
democracia consolidada não pode transformar um exercício de cidadania em dever
draconiano
O
voto obrigatório mascara o real interesse da população na eleição. Faz muita
gente (de todas as classes sociais) eleger “rostos conhecidos” ou “amigos de
amigos”. Falta maior consciência do eleitor, falta educação política? Falta. O
voto facultativo levaria às urnas quem acha que sua escolha pode mudar o atual
estado de coisas.
Falta
vergonha na cara dos políticos, falta transparência nos gastos públicos? Falta.
O voto facultativo obrigaria o Estado a fazer campanhas sobre a importância de
participar do processo democrático. Obrigaria os políticos a se preocupar mais
com sua ficha corrida e a prestar contas de seus atos. O voto seria dado com
consciência e por convicção, não por medo de pagar multa. Hoje, no Brasil, o
cidadão que não está em dia com a Justiça Eleitoral “não está em pleno gozo de
seus direitos civis”.
Ora,
diante de um Renan Calheiros presidindo o Senado... Diante do pastor Feliciano
cuidando dos Direitos Humanos... Diante da presença dos mensaleiros José Genoino
e João Paulo Cunha e do deputado Paulo Maluf na Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara...
Diante
do senador cassado Demóstenes Torres como promotor vitalício no Ministério Público
em Goiás... Diante da manobra casuísta do governo Dilma para boicotar futuros
potenciais adversários em 2014, como a ex-senadora Marina da Silva... Diante da
lentidão da Justiça, que pode devolver à vida pública o ex-governador condenado
do Distrito Federal José Roberto Arruda... Diante da censura do PT nacional a
qualquer crítica aos Sarneys na TV do Maranhão, por pedido de Roseana a José Dirceu...
Diante
do salário de R$ 15 mil para garçom que serve cafezinho no Senado, nomeado por
ato secreto... Bem, diante de tudo isso, qual eleitor e cidadão está “em pleno
gozo” de alguma coisa? Eles é que estão gozando com a gente. E ainda exigem que
eu vote limpo.
Na
briga entre Congresso e Supremo, com quem fica a palavra final? É uma briga
chata de doer. Não há santos nem no Judiciário nem no Legislativo. Mas o
momento favorece o Supremo. É no Congresso que condenados e cassados se
locupletam. O deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), autor da emenda contra o STF,
se queixa de que “o Judiciário vem interferindo em decisões do Legislativo; há uma
invasão de competência”. Ou seria “de incompetência”?
Ao
ver na semana passada as imensas filas diante de cartórios para justificar a “infração
eleitoral”, fiquei constrangida. O voto obrigatório ofende a democracia,
desonra a expressão “direito de voto”. Se posso anular meu voto ou votar em
branco, por que sou obrigada a comparecer às urnas?
Voto
porque quero, mas respeito quem não quer. O Brasil se livrou da ditadura. Numa
democracia formal, o eleitor vota se quiser, se algum candidato o representar e
se achar que sua opinião conta. Um dia essa obrigação cairá, por bom-senso. Por
enquanto, se os políticos querem um voto limpo, façam sua parte. Comportem-se.
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