Marcelo
Coelho
No país das masmorras
Debate
sobre maioridade penal esconde outros desejos, como o de fuzilamento
"Ora,
francamente", escreveu Marcos Augusto Gonçalves, nesta segunda-feira,
sobre o tema da maioridade penal.
Ele
tem razão: passamos todos os dias por crianças miseráveis e adolescentes
drogados nas ruas de São Paulo, e quando um deles se torna assassino, surge a
proposta de mudar a idade mínima para a responsabilização criminal.
Marcos
Augusto pede desculpas pelo clichê: a saída está na educação. Novamente concordo,
e concordo também com a impaciência do articulista quanto ao problema da idade
penal em si.
Dezesseis
ou 18 anos? Leio diversos artigos a respeito, e há argumentos que simplesmente
não fazem sentido para mim. Comento um pouco. Diz-se, por exemplo, que o
assunto não pode ser debatido num clima emocional.
Discordo
disso. É natural que, quando um problema chama a atenção, discutam-se as
soluções possíveis. Todo país tem dezenas, centenas de problemas. Depois de um
incêndio, discutem-se as falhas de fiscalização da prefeitura. Seria melhor que
o incêndio não ocorresse. Mas teríamos de esperar um clima de menor comoção
para tratar do assunto?
Quem
reclama da discussão "emocional" sabe que, nesses momentos, o
problema é outro. A saber, o de que está em vantagem a tese do adversário.
Mas
muitas teses simpáticas e liberais também entram em discussão em momentos de
choque. Depois de acidentes em usinas nucleares, cresce o movimento pela
energia alternativa. A tese do desarmamento, nos Estados Unidos, aproveita o
mais recente massacre escolar.
O
que haveria de errado nisso? De resto, todo mundo sabe que até determinada
proposta se tornar lei, passa um tempo considerável. Confia pouco no
"debate racional", de todo modo, quem acha que só pode travá-lo num
estado de indiferença generalizada.
De
resto, pelo que li, o debate tem sido rico e detalhado. Há argumentos e mais
argumentos contra a diminuição do limite penal, e eu mesmo já mudei de ideia
umas três vezes.
Passo
a outro raciocínio, entretanto, que não me convence, e é dos mais repetidos.
Vai nesta linha: "Vocês querem diminuir para 16? E quando aparecer um
assassino de 15 anos e meio? Diminui para 14? Para 12?".
Obviamente
esses limites são arbitrários. Mas eles se tornam mais realistas, ou mais
absurdos, conforme uma realidade estatística. Se aumenta muito o número de
criminosos com 16 anos, há argumentos para que essa idade passe a ser
considerada para fins penais.
Não
é o único argumento, claro. Pode-se dizer que aos 16 anos a personalidade de
alguém não está plenamente constituída, e que seus atos não provêm de uma
vontade tão autônoma, tão "responsável", quanto a de quem tem 18 ou
mais.
Tenho
minhas dúvidas sobre isso, mas não importa. Passo a outro argumento. Prender o
adolescente, ainda que em dependências especiais, seria submetê-lo a uma
autêntica "escola do crime" --pois sabemos que as instituições
existentes servem para tudo, menos para recuperar o criminoso.
Escolas
do crime, sim. Mas e a rua? E a favela? E a escola pública? O crime organizado
ensina os seus candidatos em toda parte. O raciocínio se encadeia a outro.
Na
verdade, dizem os criminalistas, pelas leis atuais o menor infrator pode
terminar mais tempo preso (ou "apreendido", como estranhamente se
diz) do que o marmanjo. De modo que diminuir o limite para 16 anos terminaria,
em alguns casos, beneficiando o criminoso!
Ah,
é? Mas quem defende a maioridade aos 16 anos também quer penas mais pesadas
para os presos atuais. Não adianta dizer que o atual sistema é "bom",
pelo fato de que depois de poucos anos o assassino com mais de 18 está fora da
cadeia.
Chegamos
ao núcleo da questão. No estado atual das prisões brasileiras, é tão bárbaro
prender quem tem 16 anos quanto quem tem 18 ou mais. Todos sabemos disso. O
país não tem moral para exigir respeito à lei quando não tem moral para dizer:
isto é uma prisão, você perderá a liberdade e aprenderá um ofício; trate de se
recuperar.
Quem
pede leis mais rigorosas simplesmente usa um eufemismo: queria que todo
criminoso fosse fuzilado. Quem é contra leis mais rigorosas sabe que, na
verdade, as que existem são outro eufemismo. Falam em "instituição
correcional", em "presídio", quando deveriam dizer "campo
de concentração", "pocilga", ou "masmorra".
Antes,
dizia-se "Carandiru".
coelhofsp@uol.com.br
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