sexta-feira, 19 de abril de 2013



19 de abril de 2013 | N° 17407
DAVID COIMBRA

A economia é a base da porcaria

Estou numa temporada paulistana, e, de fato, São Paulo é como o mundo todo, Caetano já sabia. Mas está a quilômetros de ser minha cidade preferida, os edifícios de 20 andares me oprimem, não existe horizonte em São Paulo e, à noite, não existem estrelas. Como parece pequena uma cidade sem estrelas.

Em compensação, o consumidor é muito bem tratado por aqui. O atendimento é sempre atencioso, vem sempre anexado a um sorriso, e o produto sempre tem qualidade. A comida cara vale o preço que custa, a comida barata é a melhor comida barata que se pode mastigar.

O capitalismo é a mais perfeita tradução de São Paulo, porque, em São Paulo, o capitalismo cumpre seu ideal de melhorar a oferta de acordo com o tamanho da demanda. O capitalista de São Paulo não pensa em economizar, pensa em investir. Isso faz lembrar do meu avô, o velho sapateiro Walter, que vivia a repetir:

– A economia é a base da porcaria.

Eu, que sou um porto-alegrense de nascimento e convicção, que não trocaria Porto Alegre por São Paulo nem que me garantissem que jantaria na Famiglia Mancini todas as noites, eu aqui fico matutando: por que, meu Deus, por que o nosso capitalismo caboclo é o contrário do cosmopolita capitalismo paulista? Por que confundimos ousadia com desperdício? Por que nos contentamos com o quase bom e o próximo do ótimo?

Não foi sempre assim. Uma mudança ideológica ocorreu entre os anos 40 e 60, algo se alterou em nossa forma de ver o mundo. Desconfio do que foi. Precisamente nesse naco de tempo, o gaúcho passou a acreditar no mito do gaúcho. Em 47, Barbosa Lessa e Paixão Côrtes inventaram o nativismo, e a vida campeira deixou de ser caipira para tornar-se motivo de orgulho. Mais ou menos por essa época, Erico Verissimo lançava O Tempo e o Vento e aparafusava na cabeça de todos os brasileiros a imagem do herói gaudério: o insuperável Capitão Rodrigo.

O romance de Erico é universal, o movimento de Paixão e Lessa é nobre, mas, às vezes, iniciativas luminosas geram subprodutos sombrios, como as interpretações arrevesadas da psicanálise e do cristianismo.

Tenho a impressão de que, quando o gaúcho passou a acreditar no mito do gaúcho, passou também a olhar para trás. A viver no passado. A achar que se basta. E a força da grana, como já definiu Caetano, só se interessa pelo futuro. É olhando para o futuro que a força da grana ergue e destrói coisas belas.

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