sábado, 27 de abril de 2013



27 de abril de 2013 | N° 17415
NILSON SOUZA

Oração pelo livro

Antes que o parêntese de Gutenberg se feche totalmente, como parece ser inexorável, deixo aqui registrada mais uma reverência ao livro – este pacote mágico de palavras que durante pelo menos cinco séculos vem iluminando o espírito humano.

O grande Borges, papa argentino da literatura, dizia que sua maior ambição era se tornar um bom leitor, mas ironicamente responsabilizava a invenção da imprensa pelo “emburrecimento” da humanidade. Na sua visão (sem qualquer intenção de ironia da minha parte), o trabalho manual dos monges copistas era uma espécie de controle de qualidade da literatura.

Depois que o inventor alemão criou os tipos móveis, a impressão de livros popularizou-se e possibilitou a publicação de qualquer coisa que se escrevesse. Daí o sarcasmo de Borges em relação aos maus textos. Isso que ele não conheceu as redes sociais: agora, sim, tudo que vem à cabeça das pessoas acaba sendo publicado, pois os indivíduos ganharam o poder de divulgar para o mundo até mesmo seus mais sombrios pensamentos.

Apesar dos leitores eletrônicos que carregam bibliotecas inteiras, os livros impressos resistem bravamente. Esta semana mesmo, tivemos várias manifestações de apreço a essa relíquia de papel que ainda tem um contingente de defensores.

Em Porto Alegre, escritores, intelectuais e leitores em geral promoveram o chamado “livraço”, com um abraço simbólico na Biblioteca Pública, para reivindicar exatamente uma casa nova para o acervo lá existente. Com livros nas mãos, nossos representantes fizeram o cerco planejado e leram trechos em voz alta, numa espécie de oração coletiva pela sobrevivência da espécie.

Rezar é o que nos resta. Os jovens não leem mais nada que exceda 140 caracteres. Os adultos leem cada vez menos. A tecnologia tomou conta do nosso tempo e dos nossos cérebros. Exagero, claro. Ainda tem muita gente que lê à moda antiga, inclusive alguns adolescentes que mantêm acesa a chama da leitura.

Na minha família mesmo, tem uma menina de 14 anos que já deve ter lido mais livros do que eu. Mas essas criaturas são exceções, não nos enganemos. A regra geral entre os jovens é passar o dia inteiro no computador, no tablet e no smartphone, com atenção total nos jogos e na interatividade. Já nem sei se isso é bom ou ruim, pois a garotada parece feliz assim. E tenho sérias dúvidas de que, com o acesso fácil a qualquer informação, eles ainda precisem buscar conhecimento nas mesmas fontes que serviram à minha e a muitas outras gerações.

Ainda assim, também rezo em silêncio pela sobrevida do livro de papel, com textura, cheiro e a magia que as páginas revelam. Se depender de mim, não fechamos nunca este parêntese.

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