RUTH
DE AQUINO
Ele não sabe o que
faz
Mais
um assassino covarde tira proveito da lei paternalista no Brasil, que considera
os menores de 18 anos incapazes de responder criminalmente por seus atos. Como
não sentir vergonha diante dos pais do universitário Victor Hugo Deppman,
assaltado e morto na calçada de casa em São Paulo? Como convencê-los a se
conformar com o Estatuto da Criança e do Adolescente, que protege o homicida de
17 anos que deu um tiro na cabeça de seu filho após roubar seu celular? Como
conviver com a perda brutal de um filho e saber que seu algoz será internado
por no máximo três anos porque “não sabia o que estava fazendo”?
Não
consigo enxergar jovens de 16 anos como “adolescentes” ou “menores”. Eles
votam, fazem sexo, chegam em casa de madrugada ou de manhã. Por que
considerá-los incapazes de discernir o certo do errado?
Ao
tornar jovens de 16 anos responsáveis por seus atos diante da Justiça, o
objetivo não é encarcerar todos os delinquentes dessa idade, mas, quem sabe,
reduzir os crimes hediondos juvenis. A mudança na lei reforçaria o status que
eles próprios já reivindicam em casa diante dos pais: “Eu não sou mais
criança”. E não é mesmo.
Para
quem argumenta que de nada adiantará reduzir a maioridade penal para 16 anos,
respondo com uma pergunta: longas penas para assassinos adultos acabam com o
crime bárbaro? Não, claro. Então, vamos acabar com as cadeias porque elas são
custosas e inócuas? Não, claro. Longas penas servem para reduzir a impunidade e
dar às famílias de vítimas a sensação de que foi feita justiça. Não se trata de
“vingança”. É um ritual civilizatório. Matou? E ainda por cima por motivo
torpe? Tem de pagar.
Um
argumento popular contra a redução da maioridade penal para 16 anos é: e se um
adolescente de 14 ou 15 anos matar alguém, mudaremos de novo a legislação?
Sempre que escuto isso, lembro um caso na Inglaterra, em 1993.
Dois
garotos ingleses de 10 anos foram condenados à prisão perpétua por ter mutilado
e matado um menino de 2 anos. A repercussão foi tremenda. Os assassinos foram
soltos após oito anos de prisão. Mas não foram tratados com benevolência no
julgamento. O recado para a sociedade era claro: não se passa a mão na cabeça
de quem comete um crime monstruoso. Mesmo aos 10 anos de idade.
Outro
argumento comum no Brasil contra a redução da maioridade penal afirma que só
com boa educação e menos desigualdade social poderemos reduzir a criminalidade
juvenil. Essa é uma verdade parcial. Há muitos países pobres em que jovens
assaltam, mas não matam por um celular ou uma bicicleta.
Eles
têm medo da punição, medo da Justiça. Também acho injusto atribuir aos pobres
uma maior tendência ao crime bárbaro. Tantos ricos são bandidos de primeira
grandeza...
Melhorar
a educação e reduzir a pobreza são obrigações. Isso não exclui outra obrigação
nossa: uma sociedade que valoriza a vida e a honestidade precisa acabar com a
sensação de que o crime compensa. Para menores e maiores de 18 anos.
Os
filósofos de plantão que nunca perderam o filho num assalto apelam à razão.
Dizem que não se pode legislar sob impacto emocional. Ah, sim. Quero ver falar
isso diante de Marisa e José Valdir Deppman, pais enlutados de Victor Hugo, que
ouviram o tiro de seu apartamento, no 9o andar. Uma família de classe média que
livrou o filho da asma com plano de saúde privado e investiu com esforço em
seus estudos.
A
mãe falava com Victor Hugo todos os dias pelo celular. “Eu sempre falava para
ele não reagir, porque a vida não vale um celular ou um carro. Ele não reagiu,
mas foi morto. Estou estraçalhada por dentro.”
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Arquivo ÉPOCA: Devemos julgá-los como adultos? (07/05/2007)
Victor
Hugo, o Vitão, era santista fanático, um dos artilheiros do “Inferno vermelho”,
apelido do time da Faculdade Cásper Líbero, onde estudava rádio e TV. Sonhava
em virar locutor esportivo e estava apaixonado. A câmera do prédio mostra o
momento em que sua vida acabou. Mostra a covardia do rapaz, cujo nome nem pôde
ser divulgado por ser “inimputável”. Na sexta-feira passada, o assassino de
Vitão, infrator conhecido na Febem, completou 18 anos.
Seu
futuro pode ser o mesmo do menor E., que, aos 16 anos, ajudou a matar no Rio de
Janeiro, em 2007, o menino João Hélio. Ele pertencia ao bando que arrastou João
Hélio pelas ruas, pendurado na porta de um carro que havia sido roubado de sua
mãe.
Após
três anos numa instituição para jovens infratores, foi libertado. A Justiça o
incluiu temporariamente num programa de proteção a adolescentes ameaçados de
morte, o PPCAAM. Ridículo. Ezequiel Toledo de Lima foi preso em março de 2012,
aos 21 anos, por posse ilegal de arma, tráfico e corrupção ativa. Ezequiel não
tinha antecedentes criminais como adulto – apesar de ter matado com requintes
de crueldade um menino de 6 anos. É ou não é uma inversão total de valores?
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