sábado, 20 de abril de 2013


RUTH DE AQUINO

Ele não sabe o que faz

Mais um assassino covarde tira proveito da lei paternalista no Brasil, que considera os menores de 18 anos incapazes de responder criminalmente por seus atos. Como não sentir vergonha diante dos pais do universitário Victor Hugo Deppman, assaltado e morto na calçada de casa em São Paulo? Como convencê-los a se conformar com o Estatuto da Criança e do Adolescente, que protege o homicida de 17 anos que deu um tiro na cabeça de seu filho após roubar seu celular? Como conviver com a perda brutal de um filho e saber que seu algoz será internado por no máximo três anos porque “não sabia o que estava fazendo”?

Não consigo enxergar jovens de 16 anos como “adolescentes” ou “menores”. Eles votam, fazem sexo, chegam em casa de madrugada ou de manhã. Por que considerá-los incapazes de discernir o certo do errado?

Ao tornar jovens de 16 anos responsáveis por seus atos diante da Justiça, o objetivo não é encarcerar todos os delinquentes dessa idade, mas, quem sabe, reduzir os crimes hediondos juvenis. A mudança na lei reforçaria o status que eles próprios já reivindicam em casa diante dos pais: “Eu não sou mais criança”. E não é mesmo.

Para quem argumenta que de nada adiantará reduzir a maioridade penal para 16 anos, respondo com uma pergunta: longas penas para assassinos adultos acabam com o crime bárbaro? Não, claro. Então, vamos acabar com as cadeias porque elas são custosas e inócuas? Não, claro. Longas penas servem para reduzir a impunidade e dar às famílias de vítimas a sensação de que foi feita justiça. Não se trata de “vingança”. É um ritual civilizatório. Matou? E ainda por cima por motivo torpe? Tem de pagar.

Um argumento popular contra a redução da maioridade penal para 16 anos é: e se um adolescente de 14 ou 15 anos matar alguém, mudaremos de novo a legislação? Sempre que escuto isso, lembro um caso na Inglaterra, em 1993.

Dois garotos ingleses de 10 anos foram condenados à prisão perpétua por ter mutilado e matado um menino de 2 anos. A repercussão foi tremenda. Os assassinos foram soltos após oito anos de prisão. Mas não foram tratados com benevolência no julgamento. O recado para a sociedade era claro: não se passa a mão na cabeça de quem comete um crime monstruoso. Mesmo aos 10 anos de idade.

Outro argumento comum no Brasil contra a redução da maioridade penal afirma que só com boa educação e menos desigualdade social poderemos reduzir a criminalidade juvenil. Essa é uma verdade parcial. Há muitos países pobres em que jovens assaltam, mas não matam por um celular ou uma bicicleta.

Eles têm medo da punição, medo da Justiça. Também acho injusto atribuir aos pobres uma maior tendência ao crime bárbaro. Tantos ricos são bandidos de primeira grandeza...

Melhorar a educação e reduzir a pobreza são obrigações. Isso não exclui outra obrigação nossa: uma sociedade que valoriza a vida e a honestidade precisa acabar com a sensação de que o crime compensa. Para menores e maiores de 18 anos.

Os filósofos de plantão que nunca perderam o filho num assalto apelam à razão. Dizem que não se pode legislar sob impacto emocional. Ah, sim. Quero ver falar isso diante de Marisa e José Valdir Deppman, pais enlutados de Victor Hugo, que ouviram o tiro de seu apartamento, no 9o andar. Uma família de classe média que livrou o filho da asma com plano de saúde privado e investiu com esforço em seus estudos.

A mãe falava com Victor Hugo todos os dias pelo celular. “Eu sempre falava para ele não reagir, porque a vida não vale um celular ou um carro. Ele não reagiu, mas foi morto. Estou estraçalhada por dentro.”
>> Arquivo ÉPOCA: Devemos julgá-los como adultos? (07/05/2007)

Victor Hugo, o Vitão, era santista fanático, um dos artilheiros do “Inferno vermelho”, apelido do time da Faculdade Cásper Líbero, onde estudava rádio e TV. Sonhava em virar locutor esportivo e estava apaixonado. A câmera do prédio mostra o momento em que sua vida acabou. Mostra a covardia do rapaz, cujo nome nem pôde ser divulgado por ser “inimputável”. Na sexta-feira passada, o assassino de Vitão, infrator conhecido na Febem, completou 18 anos.

Seu futuro pode ser o mesmo do menor E., que, aos 16 anos, ajudou a matar no Rio de Janeiro, em 2007, o menino João Hélio. Ele pertencia ao bando que arrastou João Hélio pelas ruas, pendurado na porta de um carro que havia sido roubado de sua mãe.

Após três anos numa instituição para jovens infratores, foi libertado. A Justiça o incluiu temporariamente num programa de proteção a adolescentes ameaçados de morte, o PPCAAM. Ridículo. Ezequiel Toledo de Lima foi preso em março de 2012, aos 21 anos, por posse ilegal de arma, tráfico e corrupção ativa. Ezequiel não tinha antecedentes criminais como adulto – apesar de ter matado com requintes de crueldade um menino de 6 anos. É ou não é uma inversão total de valores?

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