terça-feira, 16 de abril de 2013



16 de abril de 2013 | N° 17404
FABRÍCIO CARPINEJAR

Morrer com saúde

Se eu tivesse seis meses de vida, não voltaria a fumar.

Se eu tivesse seis meses de vida, não empreenderia nenhuma viagem pelo mundo.

Se eu tivesse pouco tempo de vida, não enlouqueceria a resistência com farras e bebedeiras.

Não entraria em casas noturnas para mergulhar em rodadas insanas de sexo.

Não iria surtar dobrando o colesterol e engordando nas mesas das churrascarias.

Absolutamente não me vingaria dos vícios abandonados ao longo dos anos.

Não depredaria a casa bradando justiça.

Não sairia atropelando os amigos com as vontades reprimidas.

Não realizaria catarse, libertação, desforra dos recalques.

Manteria a musculação quatro vezes por semana, continuaria não bebendo refrigerante, preservaria as caminhadas, insistiria em dormir e acordar cedo. Minha Porto Alegre me veria em seus mercados, parques, restaurantes.

Um aviso fúnebre não impactaria meus cuidados físicos.

Não lamentaria que não adiantou em nada a preocupação com o bem-estar, que fui burro me controlando.

O fim não elimina o valor das dietas que experimentei, das fisioterapias que acumulei, das restrições alimentares que adotei.

Temos a sensação de que paramos o que nos prejudica para viver mais.

Eu parei para viver melhor. Mesmo que seja por mais alguns dias.

Viver melhor para mim é viver mais.

Minha mãe de 73 anos soltou uma de suas frases sábias quando passeávamos pelo bairro Petrópolis.

– Quero morrer com saúde.

– Como assim? – repliquei. – O que é morrer com saúde?

– Quero morrer com forças para enfrentar a morte de igual para igual. Morrer mexendo na horta, lendo na varanda, pensando em qual filme ainda não vi. Tão triste morrer e não ter nem força para cumprimentar os anjos.

Eu também quero, mãe. Morrer bonito. Morrer com o rosto descansado e satisfeito. Morrer com um pouco de preguiça. Morrer sobrando. Morrer com a vontade de amar a mulher de noite.

Morrer espiando as ofertas dos classificados, completando as palavras cruzadas do jornal. Morrer com as articulações das pernas firmes e os braços levantando o peso das frutas. Morrer sabendo o resultado de meu time e sua posição no campeonato. Morrer com confiança. Morrer respirando largamente. Morrer com a memória das datas prediletas.

Não morrer pessimista. Não morrer desesperançado. Não morrer longe de mim. Morrer feliz com o que eu tive e fui capaz de fazer. Morrer acenando com força na janela dos olhos de Deus.

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