29
de abril de 2013 | N° 17417
ARTIGOS
- Paulo Brossard*
Muito
grave
Entre
nós, é comum empregar-se a palavra crise para quase tudo, com propriedade ou
sem ela, razão por que não surpreenderá a ninguém se eu aludir à “crise” ao
apreciar o público e inédito desentendimento entre dois poderes da República.
A
propósito, lembro-me de três episódios, todos provocados pelo Executivo,
envolvendo o Supremo Tribunal Federal; o primeiro cometido pelo Marechal
Floriano, por omissão, ao deixar de nomear tantos ministros que a Corte perdeu
as condições de funcionar, pois deixara de ter quórum; o outro, pelo Marechal
Hermes, ao negar formalmente cumprimento à decisão do Tribunal; o terceiro foi
a cassação de acórdão unânime do Supremo por Getúlio Vargas.
Agora
a fórmula passou a ser outra, quase inocente, mas igualmente deletéria, por
meio de mera troca de cifras, elevando o número de votos necessário para
afirmar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público,
exigência constitucional desde a Lei Suprema de 1934, de maioria absoluta,
seis, para quatro quintos dos membros, ou nove votos entre os 11 ministros. Nem
sempre é fácil alcançar a maioria absoluta, e a exigência de quatro quintos da
Corte, nove em 11, torna essa hipótese extremamente difícil.
Por
meio de expediente supostamente ingênuo, opera-se a efetiva mutilação do
Supremo Tribunal Federal e abole-se dessa forma, sem o dizer, mas de maneira
inegável, sua competência histórica nos países, como o Brasil, que consagram a
fiscalização jurisdicional da espécie; ainda mais, indiretamente, enseja-se a
elaboração de atos legislativos até ostensivamente inconstitucionais.
Destarte,
sob essa singela manobra, o Supremo Tribunal sofreria a ablação da sua mais
relevante atribuição, mais que centenária, a de decretar a
inconstitucionalidade de lei quando o ato legislativo se desvia da Lei Maior.
Deixando de lado o referente ao artigo 103-A, envolvendo à súmula vinculante,
caso distinto que não posso examinar aqui por falta de espaço, passo à outra
alteração proposta, artigo 102 §2 da Constituição.
Trata-se
do processo concentrado ou em abstrato, caso em que o tribunal julga a lei ou o
ato questionado, em tese. Enquanto a Constituição estabelece que, nesse caso,
“nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de
constitucionalidade, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante”, o
projeto em curso é diametralmente contrário, verbis “...não produzem imediato
efeito vinculante e eficácia contra todos, e serão encaminhadas à apreciação do
Congresso Nacional...”
Até
agora, nenhum jurisconsulto, estadista, pensador, escritor político, professor
de Direito, em livros, parecer, conferência, ou qualquer outro meio de
comunicação, divulgou ser sequer simpático à iniciativa ora bafejada pela douta
Comissão de Constituição e Justiça, em votação simbólica com a presença de
apenas 21 de seus 68 membros.
Ocorre-me
notar que não faltará quem estranhe que se possa pôr em dúvida a pretendida
transferência do Supremo para o Congresso da competência irrecorrível. Em
matéria jurídica, e precipuamente constitucional, não troco o Supremo pelo
Congresso, Câmara e Senado, que também integrei e sempre exaltei, mas cuja
composição proteiforme carece da familiaridade necessária com temas
evidentemente fora da experiência do comum dos homens comuns, em prejuízo de
homens obrigatoriamente neles versados.
Ainda
teria muito a dizer, mas limito-me a salientar que, exceção do período estado
novista, em mais de cem anos nunca houve quem agredisse o Supremo dessa
maneira, nem nos 20 anos em que a nação viveu sob o regime mais autoritário,
sem excluir os períodos de militarismo sem peias, ensejando toda a sorte de
violências e casuísmos; sequer nessas fases alguém pensou em lesar a majestade no
órgão supremo da Justiça. Esta “glória” estava reservada ao século 21, o nosso
tempo e o nosso Supremo. O nosso Supremo e o nosso Congresso.
*
JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF
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