14
de abril de 2013 | N° 17402
CÓDIGO
DAVID | DAVID COIMBRA
Amenidades coreanas
ACoreia
está na moda com carradas de razão. Afinal, a Terceira e Derradeira Guerra
Mundial pode começar por lá, graças ao pequeno ditador do norte da península.
Chamo-o
de pequeno, mas não o subestimo. Nenhum ditador deve ser subestimado, por ridículo
que seja, e todos são um pouco ridículos, lembre-se do bigodinho de Hitler, do
biquinho de Mussolini, dos dentes podres de Mao.
Conheci
a Coreia. Do Sul. A Coreia do Psy, do Gangnam Style. Trata-se de um país
moderno, mas muito conservador. Nada a ver com a frenética criatividade
japonesa. Não, os coreanos não ousam, salvo na comida, medonhamente apimentada.
Gosto de pimenta, mas a Coreia ultrapassa todas as fronteiras do bom senso
culinário. Uma vez, provei uma massa com molho vermelho que era nada menos do que
um pedaço do inferno.
O
troço desceu-me rascante garganta abaixo e explodiu-me no fundo do estômago
como se fosse uma das bombas da Coreia do Norte, abalando todo o meu ser e me
fazendo emitir um dolorido uh. Que tristeza.
Os
coreanos não falam que são sul-coreanos; apenas coreanos. São pessoas de hábitos
estranhos. Um deles é fazer de todo dia 14 uma data especial, uma espécie de
Dia dos Namorados mensal. Tem o dia 14 de se beijar, o dia 14 de se abraçar, o
dia 14 de tirar fotos juntos, o dia 14 de beber vinho.
O
dia 14 mais importante é o de março, chamado White Day, porque é o Dia dos
Namorados oficial. O segundo dia 14 mais importante é o deste domingo, o de
abril, chamado Black Day, porque é quando os solteiros se consolam por sua
solidão. Eles se reúnem nos restaurantes e comem noodles, que é um tipo de
miojo. Foi um noodles desses que comi na Coreia e que, ainda hoje, quando
lembro dele, faz meu estômago fazer blurp.
As
barbeiras da Coreia
Na
Coreia do Norte não existe engarrafamento de trânsito, porque lá ninguém tem
carro, com exceção de alguns altos funcionários do governo. As pessoas andam a
pé ou de bicicleta.
Não
as mulheres.
As
mulheres não podem dirigir nem carro, nem bicicleta, nem nada que tenha rodas. A
ditadura da Coreia alega que elas são muito barbeiras.
O
ditador e o poeta
Li
que os chilenos exumaram o corpo de Pablo Neruda a fim de constatar se ele foi
de fato assassinado por envenenamento pela ditadura de Pinochet, como se
suspeita. Se for verdade, eis aí mais uma prova de que os ditadores têm de ser
levados a sério – até os poetas imortais eles conseguem matar.
Neruda
seria ótimo para esse dia 14 na Coreia, seria perfeito para consolar os
solteiros, ele que disse que “a saudade é a solidão acompanhada”.
Em
homenagem ao apaixonado poeta chileno e aos tristes solteiros coreanos, e em
repúdio acerbo aos ditadores do mundo de qualquer época e de qualquer lugar,
reproduzo um belo poema de Neruda, “Canción del Amor”, no original, na língua
de Cervantes e Penélope Cruz:
Te amo, te amo, es mi canción
Y aqui comienza el desatino.
Te amo, te amo mi pulmón,
Te amo, te amo mi parrón,
Y si el amor es como el vino
Eres tú mi predileción
Desde las manos a los pies:
Eres la copa del después
Y la botella del destino.
Te amo al derecho y al revés
Y no tenho tono ni tino
Para cantarte mi canción,
Mi canción que no tiene fin.
Em mi violín que desentona
Te lo declara mi violín
Que te amo, te amo mi violona,
Mi mujercita oscura y clara,
Mi corazón, mi dentadura,
Mi claridad y mi cuchara,
Mi sal de la semana oscura,
Mi luna de ventana clara.
Impressão:
Nascer do Sol
Não
sou um conhecedor de artes plásticas, mas me interesso e gosto, como todo mundo
gosta, ou deveria gostar, dos impressionistas. São os meus pintores preferidos.
Pois a data oficial da, digamos, fundação do impressionismo, é 15 de abril de 1874.
Trinta desses mestres apresentaram seus quadros numa exposição em Paris. Entre
as telas estava Impressão: Nascer do Sol, de Monet, que deu nome ao movimento.
Existe
aquela tese, com a qual concordo, de que tudo que é inovador passa por três
fases:
Primeiro
é ridicularizado.
Em
seguida é violentamente combatido.
E
finalmente é aceito e absorvido.
Os
impressionistas, naquele 15 de abril, foram ridicularizados. Leia um trecho de
uma crítica do escritor Louis Leroy, que também era um pintor de paisagens:
“Ai,
foi um dia muito cansativo aquele em que me aventurei a visitar a primeira
exposição no Boulevard des Capucines. Tinha ido lá sem suspeitar de algo mau. Pensava
que ia encontrar pintura, mais má do que boa, mas não contava de maneira
nenhuma com tantas infrações contra a arte, os velhos mestres e a forma. Pois é,
forma e mestres! Aqueles já não contam, meu amigo!
Estava
reservado a Monet dar-lhes o último golpe. Veja no catálogo: “Impressão: Nascer
do Sol”. Impressão, bem sabia, uma vez que estou impressionado deve tratar-se
de uma impressão... Que liberdade! Que leveza no trabalho! Uma papel de parede
em seu estado original está mais talhado do que essa imagem do mar!”.
A
imprensa é assim: sempre atrás da arte e da sociedade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário