21
de abril de 2013 | N° 17409
MARTHA
MEDEIROS
Dialogando com a
dor
Não simpatizo nada com a ideia de sentir dor. Para
minha sorte, elas foram raras. Vivi dois partos normais que pareceram um
piquenique no campo, nada doeu, sobrou relaxamento e prazer. Quando penso em
dor física, o que me vem à lembrança são as idas ao dentista quando era
criança.
Começava
a sofrer já na noite anterior, sentia enjoos fortíssimos, não conseguia dormir,
passava a madrugada chorando só de imaginar que no dia seguinte teria que
enfrentar a broca e seu barulho aterrorizante. Estou falando de uma época em
que crianças tinham cárie hoje muitas nem sabem o que é isso, bendito flúor.
O
que fazer em relação a esse tipo de dor? Se nos pega de surpresa (um tombo, uma
cabeçada, um corte), suportar. Se for uma dor interna, tomar um analgésico e
esperar que passe. Não se pode dialogar com a dor física. Músculos, nervos,
órgãos, pele, essa turma não escuta ninguém. Ainda bem que (com exceção das
dores crônicas) não são dores constantes, e sim pontuais. De repente, somem.
Já a
dor psíquica não é tão breve. Pode durar semanas. Meses. Sem querer ser
alarmista, pode durar uma vida. Porém, ela é mais elegante que a dor física:
nos dá a chance de chamá-la para um duelo, ao contrário da outra, que é um
ataque covarde. A dor psíquica possibilita um diálogo, e isso torna a luta
menos desigual. São dois pesos-pesados, sendo que você é o favorito. Escolha
suas armas para vencê-la.
Armas?
Por exemplo: redija cartas para si mesmo. Escreva sobre o que você sente e
depois planeje seus próximos passos. Escrever exorciza, invoca energia. Cartas
e cartas para si mesmo, estabelecendo uma relação íntima entre você e sua dor –
amanse-a.
Terapia.
A cura pela fala. Você buscando explicar em palavras como foi que permitiu que
ela ganhasse espaço para se instalar, de onde você imagina que ela veio, quem a
ajudou a se apoderar de você.
Uma
investigação minuciosa sobre como ela se desenvolveu e sobre a acolhida que
recebeu: sim, nós e nossas dores muitas vezes nos tornamos um só. É difícil a
gente se apartar do que nos dói, pois às vezes é a única coisa que dá sentido à
nossa vida.
Livros.
O mais deslumbrante canal de comunicação com a dor, pois através de histórias
alheias reescrevemos a nossa própria e suavizamos os efeitos colaterais de
estar vivo. Ler é o diálogo silencioso com nossos fantasmas. A leitura subverte
nossas certezas, redimensiona nossos dramas, nos emociona, faz rir, pensar,
lembrar. Catarses intimidam a dor.
Meditação.
Religião. Contato com a natureza. Viagens. Amigos. Solidão. Você decide por
qual caminho irá dialogar com a sua dor, num enfrentamento que, mesmo que você
não saia vitorioso, ao menos fortalecerá seu caráter.
Quem
não dialoga com sua dor psíquica, não a reconhece como a inimiga admirável que
é, capaz de torná-lo um ser humano melhor. A reduz a uma simples dor de dente
e, como uma criança, desespera-se sozinho no escuro.
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