sábado, 13 de abril de 2013



14 de abril de 2013 | N° 17402
PAULO SANT’ANA

Simples sambas

Noel Rosa foi grande e talvez o maior de todos os compositores brasileiros porque era simples.

A simplicidade, no meu entender, é o grande segredo da arte.

Um dos maiores sucessos de Noel é aquele samba: “O orvalho vem caindo/ vai molhar o meu chapéu/ e aos poucos vão surgindo/ as estrelas lá no céu/ Tenho passado tão mal/ a minha cama é uma folha de jornal/ O meu lençol é um lindo céu de anil/ e o meu despertador é um guarda-civil/ que o salário ainda não viu”.

Noel Rosa tinha apenas 22 anos quando compôs esse samba. Não entendo como pôde caber na cabeça de um garoto de 22 anos a inspiração larga de um samba desses.

Se eu fosse digno de ir para o céu, o primeiro grupo para quem eu queria ser apresentado lá por São Pedro teria os seguintes integrantes: Noel Rosa, Chico Buarque de Holanda, o poeta Augusto dos Anjos, Lupicínio Rodrigues, Mario Quintana, o cantor e compositor João Nogueira, Millôr Fernandes, Nelson Rodrigues e Cartola.

Como eu iria me refestelar e me exibir nessa roda de luxo!

Mas vocês viram que Noel Rosa, no samba com que iniciei a coluna, se põe no lugar de um morador de rua, que dorme na calçada com os jornais sob o corpo.

Chico Buarque em muito se inspirou em Noel Rosa e fez um samba, não me lembro da letra nem do nome, em que reflete um casal que é morador de rua.

E, na letra do samba, o casal está dormindo numa noite de chuva, sob uma marquise, fazendo amor em cima dos jornais úmidos.

E, quando o casal nu se levanta, pode-se notar nas costas dos dois, impressas, as manchetes de jornais.

É um momento altíssimo da poesia de Chico Buarque.

Falando em momento alto, é preciso cultuar a poesia musical do autor de Ronda, Paulo Vanzolini, o samba mais gravado por todos os intérpretes na história da música brasileira.

Vanzolini fez o Samba Erudito: “Andei sobre as águas/ como São Pedro/ como Santos Dumont fui aos ares sem medo/ fui ao fundo do mar como o velho Piccard/ só pra me exibir/ só pra te impressionar/ fiz uma poesia como Olavo Bilac/ soltei filipetas pra te dar um Cadillac/ você nem ligou para tanta proeza/ foi um preço tão alto na sua beleza/ então como Churchill voltei outra vez/ mas você foi demais pra paciência do inglês/ então me curvei ante a força dos fatos/ lavei minhas mãos como Pôncio Pilatos”.

Esse samba de Paulo Vanzolini recebeu o seguinte elogio de Chico Buarque: “É talvez o único samba que não é meu que eu gostaria que fosse meu”.

E Chico gravou esse samba.

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