21
de abril de 2013 | N° 17409QUASE PERFEITO |
Fabrício
Carpinejar
Não abandonamos o quarto no
domingo
Acordamos
e não nos levantamos. Desde que nos apaixonamos, a cama é o nosso acampamento.
Despertamos
cedo e ficamos conversando, recapitulando a rotina, rindo à toa. É um domingo
inteiro assim, entre travesseiros, almofadas e edredom. O quarto permanece
trancado, as cortinas fechadas, o jornal empilhado na porta.
De
vez em quando, um dos dois é sorteado como emissário da geladeira, para buscar
frutas ou água. É uma visita rápida pelos demais aposentos, na ponta dos pés
para não assustar as pálpebras.
Não é
aconselhável demorar pela sala, para a claridade não quebrar o encanto e nos
obrigar a sair à rua. Somos sonâmbulos um do outro. Viciados um no outro. Intoxicados
um do outro.
Passamos
os dias no colchão travando histórias e revelando segredos. A cama é o nosso
hotel, nossa casa na serra, nossa residência de praia, nosso bunker, nosso pub,
nossa água-furtada. A cama é o que precisamos do mundo, o resto pode levar.
Reduzimos
o universo àquele estrado de madeira, e nos divertimos com os problemas
antigos, com as dores antigas, com aquilo que nos antecedeu e ainda não era a
gente.
Na
verdade, sinto que estudo para o vestibular de sua memória. Olho o teto coberto
de fórmulas, fotos, cenas, equações e cálculos de sua vida. Decoro suas
sobrancelhas, seus suspiros, sou um mímico atento de seu rosto.
Faço
perguntas despropositadas - nunca prevejo o que vai cair na prova do amor. Interesso-me
por qual lugar que sentava no colégio Champagnat. Me diz que era no fundo, com
as costas coladas na janela.
E
você me interroga a cor da minha térmica no jardim de infância do Santa Inês. Falo
rápido que era azul.
Quem
teria coragem de fazer essas questões senão quem ama? Mais: quem responderia
com naturalidade essas questões senão quem ama?
Não
nos assustamos com nenhuma gratuidade. Não estranhamos a curiosidade ou nos
envergonhamos da loucura. Intimidade é não temer o que será feito com nossas
palavras.
Deitamos
de lado, atravessados, você em meu peito, eu encaixado na moldura de seu pescoço.
Giramos para esquerda, tonteamos para direita, argumentamos, confortamos,
descrevemos nossos amigos, confessamos nossos pecados, sussurramos bobagens.
Os
ouvidos se tornam rápidos como a boca. Falo e ouço na mesma hora. Nossas mãos
se beijam, nossos pés se beijam. Tudo é intenso entre nós a ponto da lembrança
criar a experiência. É como se nossos olhos fossem aquela máquina polaroid
cuspindo fotos.
Os
vizinhos devem suspeitar que já morremos, mas nunca estivemos tão vivos.
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