30
de abril de 2013 | N° 17418
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Sou um aspirador de pó
Se
quiser me ofender, terá trabalho. Não facilito a vida do agressor. Ele vai suar
frio, passar sufoco, esclarecer questões, explicar posicionamentos.
Não
sairei de cena chorando logo que ganhar um desaforo. Não aceitarei o figurino
de vítima. Não me farei de coitadinho. Não me trancarei no quarto. Não evitarei
o convívio.
Sou
muito escolado em bullying para acolher rapidamente desaforo. Só eu mesmo posso
me ofender e me perdoar – mais ninguém.
É o
que todos deveriam pensar antes de sofrer.
O
debochado não tem repertório. Ele guarda uma ou duas tiradas engraçadas que
podem ser rebatidas com a autocrítica e inteligência.
Não
se veja derrotado no início do jogo, não se enxergue constrangido por antecedência.
No
Ensino Fundamental, na abertura das aulas, Marquinhos, líder da bagunça e das
baixarias, buscou me humilhar na frente dos colegas. Quando a professora
abandonou a sala para repor o giz, aproveitou a ausência e se aproximou de
minha mesa.
Ele
me analisou, analisou e despejou o veredito: – Você tem cara de “aspirador de pó”. O
novo apelido vinha do nariz avantajado. Era uma versão doméstica para tamanduá.
Pronto:
a turma inteira gargalhava alto de mim. A investida sugeria uma desmoralização
do nome e sobrenome dali por diante.
Mas
engoli a vergonha como uma aspirina a seco. Respirei fundo. E, de modo inédito,
diferente de todas as vezes que me tolhi e me escondi, que fechei meu rosto nos
braços, decidi responder. Concordei com a observação.
– Sim,
eu sou um aspirador de pó. Ele não atinou o que desejava concordando, e
completei: – Sou
mesmo um aspirador de pó, que bom que você descobriu. Vem trocar meu saco!
Ele
se calou. A turma agora reagiu a meu favor, dobrou o volume das risadas. Foi
uma histeria coletiva, cadernos voando, pés batendo no chão, palmas estalando.
É certo
que ele não sabia o que retrucar. Comeu a língua. Patinou na palavra. Demorou a
perceber o estrago. Ficou branco, pálido, lesma.
Não
contava com uma reação bem-humorada. Uma resposta espirituosa. Quem agride não
programa a tréplica. Planejava criar uma tristeza em mim e abandonar a vítima
no chão.
Mas
não deixaria por menos. Nunca mais.
Marquinhos
desapareceu ao longo do tempo, como poeira ranzinza da classe. Não esperava que
o aspirador de pó estivesse ligado.
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