28
de abril de 2013 | N° 17416
MARTHA
MEDEIROS
O sabor da
vida
Dois anos atrás tive o prazer de ser entrevistada
pelo chef Claude Troisgros, e lembro de que o encontro foi divertido e ao mesmo
tempo inusitado pra mim, já que minha relação com as caçarolas sempre foi de
intimidade zero.
Pois
agora recebi o convite da incrível Neka Menna Barreto para uma entrevista para
a tevê que também ocorreria durante o preparativo de alguns quitutes. Minha
intimidade com as caçarolas segue a mesma, porém sou amiga da família da Neka
há muitos anos, todos gaúchos. Só que meu contato com ela, por ser moradora de
São Paulo, era mais restrito. Finalmente, equalizamos essa distância da melhor
forma possível: com um bom papo na cozinha.
Quanto
mais me aproximo desse universo que desconheço, mais me dou conta do quanto
perco por não saber cozinhar. Conversando com a Neka, percebi a filosofia
envolvida no processo – ao menos no processo dela, que usa sua colher de pau
como uma espécie de varinha de condão, transformando em mágica cada receita
aparentemente prosaica.
Neka
é uma chef que escolheu a vida como principal ingrediente – não a
industrializada, mas a vida em sua origem, em sua raiz. Seu talento está não
apenas na criteriosa escolha dos ingredientes, mas na maneira de pensar sobre o
que está fazendo e de explorar todas as sensações envolvidas.
Ela
perfuma a cozinha com infusões de hortelã, “acorda” as sementes, encontra
conexões entre rusticidade e sabor – de tudo Neka extrai um conceito. Cada
alimento traz em si um benefício para a memória, para o humor, para a
concentração. Ralar uma noz moscada nos ensina a reconhecer limites.
Triturar
um bastão de canela fortalece o bíceps. Dissecar uma vagem seca de baunilha (eu
nem sabia que a baunilha vinha de uma orquídea) desperta a sensualidade – se
você tem acesso à Neka, peça para ela contar os efeitos de esconder um galhinho
de baunilha dentro do sutiã. Segundo ela, a mulher para instantaneamente de
falar sobre si mesma e, silenciosa, passa a ser quem é. Viajandona? Pode ser,
mas descobri com ela que o tempero que faz viajar é outro.
Para
quem só se interessa pelo concreto da vida, nada disso faz o menor sentido,
porém é justamente sobre sentidos que está se falando aqui. Do amor que há em
manusear tâmaras e nozes picadas, da energia que as ervas emanam, da estupidez
de se consumir velozmente um prato ultracalórico e depois passar uma tarde
inteira digerindo-o. “Gastamos muito tempo com digestão, quando poderíamos
estar caminhando mais, dançando, flanando, vivendo até os cem anos com leveza”.
Neka
é uma alquimista de personalidade única. Tudo nela é inspirador, desde seus
turbantes coloridos até seus pontos de vista. “Estamos nos acostumando com
soluções instantâneas, enviando e-mails que chegam a Tóquio em um segundo,
comprando comida pronta. Ninguém mais prepara, ninguém mais espera. Se vejo
alguém muito agitado, correndo atrás do relógio, recomendo: cozinhe e recupere
a noção do tempo real”.
Não
bastasse a delícia de suas criações gastronômicas, a querida Nekinha também é
craque em dar receitas para nossas almas desnutridas.
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