27
de abril de 2013 | N° 17415
CLÁUDIA
LAITANO
Os
intelectuais
Eu
devia ter uns 10 anos quando me chamaram de intelectual pela primeira vez. Foi
naqueles depoimentos anotados em álbuns de recordações (o Facebook da minha
infância) em que se copiavam poemas, “pensamentos” ou um simples recado
afetuoso para a dona do álbum.
Alguém
colocou lá, em caligrafia oscilante: “Para a Cláudia, minha amiga intelectual”.
Eu não era o gênio da escola, nem sequer a melhor aluna da sala – e em casa,
como todo mundo, assistia a novelas e ouvia os discos da K-Tel. Se eu podia ser
considerada a “amiga intelectual” de alguém, era por um único e sólido motivo,
por sinal alheio a minha vontade ou talento para os estudos: os óculos.
No
Brasil, o entendimento do que seja um “intelectual” nunca foi muito mais
elaborado do que o da minha amiguinha da quinta série. Em um país em que a
educação sempre foi marca de privilégio e não um valor universal, era apenas
natural que o estudo (ou o “excesso de estudo”, expressão estapafúrdia que ouvi
não poucas vezes na vida) fosse visto com desconfiança e estranhamento.
O
“intelectual” brasileiro acabou associado aos Rui Barbosas e Olavo Bilacs,
homens distintos, de fala e escrita rebuscada e levemente risíveis em suas
fatiotas bem-compostas em pleno verão tropical. Ser intelectual não era pensar
bem: era falar difícil.
Desse
país desigual e massivamente analfabeto, pulamos quase sem escalas para a época
do saber pulverizado, em que quase todo mundo tem opinião e um canal para
expressá-la. Nessa maçaroca de textos, hipertextos e palpites, os intelectuais
que se esforçam em participar dos grandes debates públicos são poucos e
valentes.
É
muito mais fácil permanecer no ambiente protegido da Academia do que ir a campo
sujar-se nas inglórias batalhas travadas todos os dias nos jornais, na internet
e nas redes sociais. Além de coragem, é preciso uma boa dose de idealismo para
acreditar que é possível fazer diferença em meio à barafunda de opiniões
infundadas e franca má-fé. Na era da hiperabundância de informação, tornou-se
ainda mais essencial a participação ativa de homens e mulheres que tenham mais
a oferecer do que a pose e os óculos.
Por
isso é tão importante a lista que a revista britânica Prospect
(prospectmagazine.co.uk) divulgou esta semana com os nomes de 65 intelectuais,
de diferentes nacionalidades e especializações, que além de serem referência de
excelência em suas áreas fazem questão de atuar nas redes sociais, no circuito
mundial de conferências e debates e na imprensa, contribuindo com um ponto de
vista informado e esclarecedor na discussão de temas polêmicos.
O
biólogo britânico Richard Dawkins, o mais célebre crítico do fundamentalismo
religioso e das ameaças ao Estado laico, encabeça a lista – que inclui entre os
“top 10” pelo menos quatro intelectuais que estiveram recentemente em Porto
Alegre (Steven Pinker, Slavoj Zizek, Amartya Sen e Mohamed Elbaradei).
Em
tempos de trevas galopantes, no Brasil como no resto do mundo, o conhecimento é
um valor que precisa não apenas ser cultivado, mas compartilhado – uma vez que
a ignorância, sua espalhafatosa arqui-inimiga, há anos é distribuída de graça e
entregue a domicílio.
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