segunda-feira, 29 de abril de 2013



29 de abril de 2013 | N° 17417
L. F. VERISSIMO

A ginga irrelevante

A ideia que se tinha do futebol europeu como um futebol sem cintura custou a morrer. Já deveria ter acabado há 60 anos, com o exemplo da seleção húngara de Puskas e companhia, mas ainda persistiu por muito tempo. O futebol da Europa podia ser eficiente, bem organizado e até vitorioso, mas lhe faltava o nosso poder de improvisação, o nosso talento inato, a nossa ginga.

A morte protelada mas definitiva deste preconceito se deve em grande parte à proliferação de canais de TV que hoje mostram todos os campeonatos europeus, numa dieta intensiva de grandes jogos, saborosa para quem gosta de futebol, mas que, ao mesmo tempo, nos faz muito mal. Porque o contraste entre o que se vê lá e o que se vê aqui é óbvio. Basta comparar o último jogo da Seleção Brasileira com as semifinais da Liga dos Campeões da Europa que a TV está mostrando. É de se suspirar de inveja.

Mas nem a ginga perdeu seu valor nem, numa surpreendente evolução biológica, os europeus adquiriram cinturas. Jogadores brasileiros continuam a ter sucesso no mundo todo com sua habilidade de nascença e ninguém jamais dirá que um Robben ou um Schweinsteiger, do triturador Bayern Munich, tem ginga, ou o seu equivalente em alemão. O que eles têm é tudo que vem depois da ginga, ou que torna a ginga irrelevante. Schweinsteiger é o maior exemplo atual da falta que “cintura”, com tudo que o termo significa e resume, não faz.

O jogador que mais se aproxima de um Schweinsteiger na Seleção Brasileira é o volante Fernando, e a diferença entre os dois é o que mais acentua o contraste. E como o Felipão não escalou o Fernando para começar o jogo contra o Chile e tem dito que volante que também ataca é uma quimera, corremos o risco de desperdiçar nosso único simulacro de Schweinsteiger.

Eu sei, eu sei. Não se deve admirar super-homens alemães muito rapidamente. É o que nos ensina a História, inclusive do futebol. Mas Schweinsteiger é apenas o exemplo mais evidente no momento do futebol utilitário, que brilha porque funciona, mesmo sem cintura, e que sem o Fernando nós não temos.

Talvez a supercobertura do futebol europeu pela TV nos eduque. No fim da I Guerra Mundial, quando os soldados americanos voltavam para casa, fizeram até uma música que perguntava “como vamos mantê-los trabalhando no campo depois que eles conheceram Paris?” Começou aí a urbanização acelerada do país. Uma transformação parecida pode acontecer no futebol brasileiro, de tanto ver como estão jogando na Europa.

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