03
de abril de 2013 | N° 17391
MARTHA
MEDEIROS
Recebendo as
visitas
Sempre
me fascinou a maneira como tanta gente recebe amigos em casa de forma
absolutamente desestressada. As visitas chegam sem avisar, abrem a geladeira,
se esparramam no sofá e está tudo certo, desde que sejam íntimas. Se não forem
íntimas, tornam-se.
Nesse
aspecto, minha educação foi mais cerimoniosa. Gosto de ser avisada que virão à
minha casa, até para ter tempo de me preparar: comprar algumas flores,
abastecer a geladeira, deixar a música no ponto. Adoro receber, desde que me
deem a chance de esperar meus convidados como acho que devo. Na contramão da
maioria das pessoas, prefiro a previsibilidade ao ataque surpresa.
Não
sei de onde vem essa formalidade, deve ser cultura familiar. Lembro de ouvir
recomendações quando criança: trate bem as visitas. Mesmo eu não conhecendo
alguns amigos dos meus pais, era obrigatório ir até a sala, de pijama e dentes
escovados, cumprimentar os adultos e dar boa-noite. Podia ser aborrecido, mas não
havia negociação.
Então,
ficou incrustada em mim essa reverência prestada a todos os que nos visitam –
mandam os bons modos oferecer ao menos um copo d’água, convidar para sentar,
ser atencioso e procurar causar uma boa impressão.
Talvez
seja por isso que a cada vez que ouço a notícia de que um turista estrangeiro
sofreu alguma selvageria em nosso país, sou tomada pela vergonha. Óbvio que
qualquer crime, contra qualquer pessoa, é chocante e inadmissível, mas o
turista atacado me parece ainda mais indefeso do que nós: ele não conhece as
manhas das nossas cidades, não fala nosso idioma, está aqui apenas para se
divertir, e de repente sofre um assalto brutal e tem sua dignidade
profundamente atingida, como foi o caso do casal de namorados que há poucos dias
entrou numa van em Copacabana e acabou sofrendo abusos por seis horas nas mãos
de delinquentes.
Cadê
o copo d’água, a atenção?
É só
assistir aos telejornais para perceber que o Brasil não mudou tanto quanto
apregoa. Manicure mata criança, motorista atropela e foge, torcedores se
agridem. E proliferam os roubos de carros, arrastões em restaurantes,
depredação de caixas eletrônicos. Difícil nossas atrações turísticas competirem
com o produto brasileiro mais divulgado lá fora: a violência.
Claro
que existe o vice-versa: nem sempre brasileiros são recebidos no Exterior com
tapete vermelho, como demonstram os casos de deportações sumárias e
assassinatos inexplicáveis, a exemplo do garoto que recebeu vários
eletrochoques disparados por policiais canadenses ou o famoso episódio
envolvendo Jean Charles, que foi abatido a tiros num metrô de Londres.
Mas
não atenua. Sigo muito envergonhada. Se vieram pacificamente até a nossa casa e
abrimos a porta, que façamos a gentileza de deixar o cachorro preso.
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