03
de abril de 2013 | N° 17391
ARTIGOS
- Aline Doral Stefani Fagundes*
Juiz, um ser
solitário
Ele
tinha 16 anos. A idade em que até uma espinha no nariz tira a confiança para um
flerte. Lidando com uma máquina sem dispositivos de segurança adequados,
atuando, no entanto, com parca diligência (e contribuindo em parte para o
resultado), perdeu três dedos da mão.
Do
outro lado, estava uma pequena empresa, administrada por pessoas aparentemente
simples e boas, que, aos trancos e barrancos, dava emprego a uns 15 ou 20
trabalhadores. Uma condenação compatível com a gravidade do dano possivelmente
levaria a empresa a fechar as portas, deixando 15 ou 20 famílias em situação
crítica.
Entre
essas duas histórias, uma juíza à procura do sono e do rumo de um julgamento
sensato, equilibrado e (será que seria possível...) justo. Felizmente, as lides
trabalhistas dão menos notícia, o que me poupou de acrescentar a essa já
tortuosa reflexão a paixão da sociedade, as manchetes dos jornais, o sofrimento
dos envolvidos ou solidarizados.
O
julgamento é um momento de solidão, que não pode ser compartilhado com ninguém,
nem deve se deixar levar por sentimentos externos. O processo do trabalho, pelo
maior contato com a parte, propicia uma oportunidade de desabafo.
A
parte quer ser ouvida e se justificar e, não raras vezes, externa a imagem –
boa ou má – que tem do Poder Judiciário, sobretudo da Justiça do Trabalho. O
juiz que se intimida com o sentimento da população não profere sentenças:
escreve cartas de amor. Segue seu coração, favorecendo quem tem a história mais
comovente, quem arrebanha maior número de seguidores, quem tem mais talento em
conquistar, em convencer. A que sociedade interessa um juiz que se intimida com
a sua imagem ou com a comoção pública?
A
lei, justa ou injusta, nos dá ferramentas para atenuar os erros (eliminá-los é
utópico). Todos os dias, felicito-me pela possibilidade de as minhas sentenças
poderem ser reformadas ou anuladas por três desembargadores, ainda que a minha
vaidade e comprometimento com a vontade de “fazer certo” me façam vibrar com
cada confirmação. Sim, eu erro! É frustrante. Assim como em alguns casos vou
morrer com a convicção de que quem “errou” foi o Tribunal.
Há
que se fazer um exercício de empatia. Assim como se aperfeiçoa o juiz que
consegue ver uma pessoa além das folhas do processo, alenta-se a parte que vê
um juiz, e seu solitário sofrimento, por trás da sentença.
Que
as 15 ou 20 famílias que talvez eu tenha levado ao desemprego me perdoem e
agradeçam pelos dedos que seus pais deixaram de perder.
*JUÍZA
DO TRABALHO SUBSTITUTA
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